Ao lamentar a morte, aos noventa e um anos, de um extraordinário filho do Nordeste, Dom Eugênio Sales, arcebispo resignatário do Rio de Janeiro, nascido em Acari, Rio Grande do Norte, ponho-me a indagar qual o porquê de o Nordeste continuar uma região flagelada, se é um oásis de tantas inteligências. Continuamos com a mão estendida a esmolar junto ao governo federal, pedindo as migalhas, que sobram dos recursos gerais da União, cuja maioria é destinada às regiões Sul e Sudeste.
Depois de tantos discursos estéreis, depois de tantos mandatos concedidos a nordestinos nos mais altos escalões da República, depois de tantas promessas não cumpridas pelos nossos representantes, eis que o povo nordestino continua sem ter condições de enfrentar uma estiagem. E morre à míngua em razão das agruras provocadas pelo clima ingrato que se abate sobre os sertões adustos.
Faz tempo escrevi: “Enquanto a chuva demora/ O Nordeste em convulsão,/ Clama, pede, grita e implora/ Por um pedaço de pão...” A trova transcrita, expressão de uma verdade que afronta a dignidade dos nordestinos, permanece de uma atualidade agressiva.
Explicita um sentimento tão doloroso quanto a visão plástica, a um tempo romântica e nostálgica, do poeta João Paraibano, também de atualidade que deveria envergonhar a todos nós, especialmente os governantes: “Eu estava no sertão/ Me balançando na rede,/ Olhando o açude seco/ Com três rachões na parede/ E as abelhas no velório/ Da flor que morreu de sede.” A tragédia das secas no Nordeste brasileiro tem dado azo à criatividade dos ficcionistas e dos ladrões dos dinheiros públicos.
Aqueles sublimam a dor da impotência ante a insensibilidade do poder e extravasam o protesto através da sensibilidade, criando obras de arte da literatura universal, como é o caso do romance “Vidas Secas”, do mestre Graciliano Ramos; estes, travestidos de políticos e benfeitores, cavalgam discursos demagógicos de paladinos defensores da pobreza e dos direitos usurpados dos sertanejos, mas adoram os longos períodos de estiagens, porque são nestas quadras de estio para o homem do campo que se formam os oásis de riquezas mal explicadas. Ou nunca explicadas.
“Faz escuro, mas eu canto, porque o amanhã vai chegar...”, escreveu o poeta amazonense Thiago de Melo em dias dolorosos da nossa história política. A nós, nordestinos, não importa somente cantar, muito menos ficar em cômoda atitude de espera, mas o rebelar-se contra a exploração histórica do nosso povo se faz necessária. Uma exploração consentida, porque é inconcebível que uma região que já deu à nação tantos nomes ilustres e poderosos, depois séculos de maltratos, ainda não tenha levantado a cabeça para impor.
|