Pelo menos 30.208 operações de financiamento feitas pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), com dinheiro do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), deixaram de ser cobradas judicialmente por apresentarem irregularidades que vão da concessão à cobrança dos empréstimos. A conclusão é de uma auditoria feita em 2010 pela Controladoria Geral da União (CGU). O documento, que O POVO teve acesso com exclusividade, também faz parte do processo que investiga o desvio de verba pública que a Polícia Federal, Procuradoria da República no Ceará, Ministério Público Estadual e a CGU estão apurando. Os prejuízos para o BNB, segundo os auditores, chegam a R$ 1.098.227.363,89.
O relatório da CGU não se detém só às atecnias burocráticas. O maior volume de ilegalidades detectadas, segundo os auditores, aponta para “falhas graves em todo o processo de concessão de crédito: análise de risco do cliente, viabilidade econômico-financeira da proposta, liberação dos recursos e acompanhamento de aplicação”. Fatores que indiciam corrupção.
Objetivamente, a CGU constatou que a maior parte dos empréstimos feitos pelo BNB era de “operações de crédito em valores incompatíveis com o porte econômico do mutuário, por meio do aceite de garantias superavaliadas”. Além da “ausência de comprovação da capacidade de aporte de recursos próprios, resultando, no caso concreto, na inadimplência” de quem fez o empréstimo.
Na agência Fortaleza-Centro, os auditores da CGU analisaram, por exemplo, um lote de dez operações de concessão de crédito com recursos do FNE. Empréstimos que, somados, dão R$ 645.845.459,80. Em um dos financiamentos, a operação B000023301/1, uma empresa recebe R$ 27.460.195,55, apesar de várias ilegalidades.
Os auditores descobriram que houve “sobrevalorização das garantias, não formalização do fundo de liquidez, falta de integralização de recursos próprios, indícios de desvio de recursos destinados a compra de máquinas e equipamentos, ausência de comprovação de seguro obrigatório dos bens financiados e indícios de fraudes nas demonstrações contábeis”, diz o relatório.
Na operação B000020401-1, de R$ 9.925.650,00, identificaram indícios de “sobrepreço da ordem de R$ 5.455.500,00 e simulação de operação de aquisição dos bens”. Na transação B000022801/1, a CGU responsabiliza um dos gerentes de negócios da agência Centro por aprovar empréstimo de R$ 19.500.000,00 mesmo com a “ausência de comprovação de recursos financiados no valor de R$ 15.226.000,00”. O executivo do banco não teria checado se as notas fiscais eram legais.
Na operação B000019101/1, identificaram “superavaliação” de bens apresentados como garantia num financiamento de R$ 492.206.136,17. Os auditores viram que “os técnicos do banco convalidaram laudos de garantias superavaliadas, que dão cobertura de R$ 312.500.000,00 do valor” emprestado.
O POVO enviou email com dez perguntas para Roberto Smith, então presidente do BNB quando a CGU fez a auditoria. Por sua assessoria, respondeu que “o material encaminhado é referenciado em documento da CGU. Acredito que para cada pauta existe defesa, mas não cabe a mim responder e sim ao próprio BNB”. Hoje, Smith preside a Agência do Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece).
ENTENDA A NOTÍCIA
No relatório da CGU, os auditores não especificam os nomes das empresas investigadas nem os proprietários. Usa códigos das operações. Também não traz nomes dos gerentes que autorizaram os empréstimos.
Informação do Banco: 53% das operações estão normalizadas
A presidência do BNB, através de sua assessoria de imprensa, afirma que as 30.208 operações apontadas pela Controladoria Geral da União (CGU) são na verdade “estoque de operações regulares, sob o ponto de vista da concessão do crédito, contratadas nos 15 anos anteriores a 2010”. E que cerca de 53% delas já estão normalizadas.
Para a CGU, a presidência do BNB respondeu que do “quantitativo citado, já haviam sido liquidadas e/ou renegociadas 6.084 operações que representavam o equivalente a 150,1 milhões. E 169 operações tinham propostas de renegociações sendo analisadas pelo banco, sendo posteriormente regularizadas”.
O BNB afirma ainda que “10.589 operações tinham enquadramento no artigo 70 da Lei 12.249 e podem ser regularizadas até 30.3.2013”. E as demais “tiveram o procedimento de cobrança administrativo e/ou judicial iniciado sendo enviadas cartas aos respectivos mutuários e/ou coobrigados e ainda tiveram seus nomes inseridos nos cadastros dos órgãos de restrição ao crédito como o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) e Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (Cadin)”.
De acordo com a presidência do BNB “foram feitos todos os esforços para regularização. Restando em todas as áreas de atuação do Banco (Região Nordeste, Norte de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo) o estoque de 3,5 mil operações, cujas providências estão dentro do prazo acordado com a CGU”.
Para a presidência do BNB “não houve irregularidades na contratação das operações”, como apontou a CGU. “O conceito de irregularidade deveu-se à situação posterior de inadimplência e não a falta de aplicação de crédito”, informa a resposta.
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