* Diomenes Cesário
Em 1990, Herbert José de Souza, o Betinho, escreveu um artigo intitulado “Como Matar uma Estatal”, que se tornou um clássico (CPDOC/FGV). Estava-se no auge do pensamento neoliberal, onde o “Mercado” era apontado como solução para todos os problemas da nação. O Estado deveria ser reduzido ao mínimo, deixando o mercado atuar de forma a aumentar a eficiência, reduzir custos, gerar empregos e oportunidades. Margareth Tatcher recomendava “Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas. O governo Collor, recém eleito, seguia fielmente o receituário, transformando o BNDES de banco de desenvolvimento econômico e social em um banco de privatização. A televisão anunciava que com a venda das estatais pagaríamos nossa dívida externa, a pensão dos aposentados e teríamos mais escola, hospitais e um futuro promissor.
Segundo Betinho, “as estatais “não são seres sem sentido histórico. Quando servem ao capitalismo, elas são criadas, desenvolvidas, prestigiadas, louvadas e promovidas. Quando o conjunto da sociedade pode tirar proveito delas, ou elas não servem mais e até competem com certos setores capitalistas, a coisa vira e as campanhas anti-estatais prosperam.” Listava, então, as medidas para destruir uma estatal: 1) produzir com eficiência e vender abaixo do custo; 2) contrair dívidas no exterior; 3) não investir em pesquisa e desenvolvimento; 4) conter os investimentos programados; 5) colocar afilhados civis e militares na direção das estatais; 6) provocar os sindicatos; 7) desenvolver os impasses até o absurdo; 8) vender ou fechar.
O processo continuou até o início da década de 2000, sem os resultados prometidos. A dívida cresceu, as tarifas das empresas privatizadas dispararam, as compras e investimentos foram financiados pelo BNDES e felizes, ficaram apenas os compradores: Odebrecht, Eike Batista, Carlos Jereissati Filho, Benjamin Steinbruch, Daniel Dantas, Gerdau, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Votorantim, Bradesco, Santander, Itau, dentre outros. Para facilitar ainda mais, usaram recursos dos fundos de pensão das estatais para diminuir os encargos dos compradores. A este processo, de colocar poucos recursos e ficar com o controle da empresa, chamaram de “engenharia financeira”, um escárnio para os engenheiros. O resultado do processo de privatização pode ser visto com detalhes no livro “O Brasil privatizado – Um balanço do desmonte do Estado”, de Aloysio Biondi, disponível em http://www.aloysiobiondi.com.br/
Com a crise de 2008 que se prolonga até os dias de hoje, o Estado foi chamado a salvar os investidores do mercado, que depõem chefes de países europeus e transfere a conta para a população, através de desemprego, aumento de tarifas e redução de benefícios sociais.
As estatais que sobreviveram, não deixaram de ser atingidas. Em 2000, durante o governo FHC, a participação da União Federal no capital total da Petrobrás foi reduzida de 53% para 33% (84% para 56% das ações com direito a voto). A participação de estrangeiros no capital total, inexistente em 1992, subiu para 37%.
Trinta por cento da refinaria no Rio Grande do Sul, foi negociada com a Repsol, criando a REFAP S.A., a primeira de uma série de unidades de negócio, programada para a venda partilhada da Petrobrás. O preço dos derivados e a importação e exportação foram liberados e o exercício do monopólio da União foi autorizado a ser efetuado por empresas privadas e não somente pela Petrobrás. Os lucros da estatal dispararam e o mercado e a grande imprensa, que antes criticava a companhia sempre que os preços dos derivados subiam, passou a fazê-lo quando demorava a reajustar, pois prejudicava os lucros dos acionistas privados.
Neste novo contexto, a Petrobrás, foi impedida de solicitar empréstimos e obrigada a se associar a empresas internacionais e consórcios de bancos para fazer seus investimentos no ritmo e prazos exigidos pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). As descobertas que fez, fruto de conhecimento acumulado ao longo de décadas, está sendo repartido, hoje, com sócios estrangeiros e exportado, fruto desta política inconseqüente e irresponsável.
A descoberta do pré-sal, feita pela empresa, foi levada ao conhecimento do governo que determinou a retirada dos seus 41 blocos que constavam do 9º leilão em andamento em 2007. Os blocos do Arco de Cabo Frio continuaram, sendo arrematados pela OGX, de Eike Batista, que acabara de contratar nada menos que o chefe da equipe de geólogos responsável pelas locações da Petrobrás. Em um país mais sério isto seria motivo de processo e perda; no Brasil é visto como jogada de gênio.
Com um investimento gigantesco, U$ 224 bilhões no período 2011-2015, a Petrobrás se prepara para construir plataformas, refinarias, chegando a 2020 produzindo no Brasil 5 milhões de barris de petróleo/dia, com cerca de 2 milhões exportados. Hoje, produz 2,1 milhões e exporta 500 mil.
A lista do Betinho não é ameaçadora como no passado, mas não se pode dizer que deixa de existir. Há outros componentes que precisam ser acompanhados cuidadosamente:
1. Definir seu plano estatégico e de metas visando o desenvolvimento do setor no país, priorizando resultados sólidos de longo prazo, em detrimento do lucro imediato;
2. Pautar o ritmo de produção às necessidades do Brasil e não à geração predatória de recursos financeiros;
3. Utilizar os investimentos e as compras de equipamentos e serviços para criar fornecedores no país, gerando emprego e desenvolvimento tecnológico;
4. Usar pessoal próprio para as atividades do setor, reduzindo a terceirização e contratação de serviços, que elevam a rotatividade da mão de obra, o risco de acidentes e a perda de capacitação interna;
5. Evitar a contratação de empreendimentos no formato EPC (Engineering, Procurement and Construction), pois vinculam as projetistas aos fabricantes e montadores, restringem a atuação do corpo técnico, elevando os custo e piorando a qualidade das instalações;
6. Priorizar a captação e retenção dos melhores quadros disponíveis e investir na política de treinamento;
7. Incrementar a interação com as universidades, centros de pesquisa e empresas de capital brasileiras de nacional para solucionar os desafios tecnológicos do setor;
8. Eliminar as tentativas políticas, de grupos empresariais, financeiros e outros setores de interferir na gestão profissional da empresa;
9. Escolher seus diretores e gestores dentro do seu quadro de empregados, com base em suas competências e histórico profissional;
10. Pautar o relacionamento com os sindicatos pelo respeito institucional, sem exercer qualquer tipo de coação ou favorecimento aos empregados em exercício de mandato.
Mas, como perguntaria Betinho, a quem servem as estatais? Quem deve se apropriar da riqueza gerada por elas? O caso do pré-sal é um caso extremo. O professor titular de Energia da USP, Ildo Sauer, estima um excedente anual gerado de US$ 150 bilhões, durante 40 anos, se as reservas forem de 100 bilhões de barris. Para comparação, basta lembrar que este valor é um terço de toda a arrecadação de impostos do governo federal em 2010, dos quais apenas 5% destinados a investimentos. Ildo, Carlos Lessa, Luiz Pinguelli Rosa, Sérgio Mascarenhas, professores e cidadãos exemplares apontam o destino: a criação de um projeto nacional de desenvolvimento e social com o objetivo de garantir condições de vida produtiva e social a todos os brasileiros.
Cabe aos cidadãos e setores organizados da sociedade brasileira se mobilizarem para que isto aconteça.
* Diomenes Cesário é vice-diretor de Comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) |