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Notícias

  16/09/2011 

Crônica da Campanha Salarial: antidiagnóstico e psicologia reversa

Por Rheberny O. Santos Pamponet

Já faz algum tempo que os festejos de 7 de setembro não me animam mais. O desfile, as fanfarras, os aviões cortando os céus nem são tão interessantes assim, talvez pela vaga lembrança dos tempos de escola em que a professora nos obrigava a usar aquele chapéu de soldado, marchar e cantar o hino no pátio, ou talvez pelo fato do jargão “independência do Brasil” ter mais um papel histórico do que prático. Não tendo nada melhor para fazer, fui pensar no trabalho e nas situações que as próximas semanas me reservavam. Estamos em setembro: produtividade, gerenciamento de orçamento e as projeções do resultado estimulam algumas sinapses rotineiras. Li recentemente que estamos em campanha salarial e ousei refletir um pouco sobre o significado deste período. Por que somos chamados a nos mobilizar? Por que, no final das contas, temos que fazer greve? Afinal, temos motivos para fazer greve? Procurei pensar em tudo aquilo que, por ventura, “poderia estar desestimulando” os funcionários (perdoem a linguagem de atendente de telemarketing), pensar em todos os seus anseios que, ano após ano, são frustrados. Sinto dizê-los que não consegui chegar a uma conclusão, talvez pelo fastio da mente em uma manhã de feriado após uma noite de insônia. De qualquer forma, apresento-lhes tudo aquilo que vislumbrei.

    Primeiramente, pensei nos funcionários novos - F11, F12, F13, F14 e F15 - reconhecidos no cargo como analistas bancários (eles são muitos, quiçá a maioria). Esses não têm do que se queixar. Cheios de energia, têm seus salários inflados, representados em mais de 50% pela provável função que exercem e não pelo cargo que ocupam; não se importam em ter um plano de carreira que arrasta distorções desde sua criação; não se importam em não ter licença prêmio e de ver o Projeto de Lei sobre Isonomia dos Bancos Públicos ser colocado em terceiro plano no Congresso, afinal, são da Geração Y e querem é trabalhar a duras penas. Juntem-se a eles os assistentes bancários e teremos uma falange de funcionários satisfeitos em exercerem o mesmo papel, porém sem a mesma contrapartida salarial, verdadeiros mártires do desprendimento material.

    E os técnicos de campo, desbravadores das quinas mais ermas deste nordeste, gostam de viver perigosamente, porém não querem receber por insalubridade. Sem falar que adoram praticar rally nas boas estradas nordestinas com suas pick-ups 1.0 turbo-flex-plus financiadas com o CDC- Veículos. E pensar que os caras ainda recebem vultosos R$ 0,95 centavos por quilômetro para fazer a manutenção do carro e pagar o combustível! É ou não é uma beleza?

    Os agentes de desenvolvimento, também desbravadores em tempos de outrora, hoje vivem um momento “zen” após serem dispensados de carregar o farol do desenvolvimento e manter outras ações dignas de uma agência itinerante. Mas pensando bem, para que a luz artificial de um farol se em nossa região o sol é de rachar? Melhor mesmo é economizar energia. Bom descanso, colegas.

    Os caixas executivos são verdadeiros atletas: dão centenas de autenticações no dia, lidam com aquele dinheiro velho e empoeirado e, apesar disso, não apresentam lesões por esforço repetitivo e nenhum tipo de problema respiratório, além de obedecerem a lei dos 15 minutos, a lei dos 30 minutos e a lei dos clientes. Inclusive, alguns se gabam por conseguir atender, em um único dia, mais clientes do que alguns caixas do Bradesco.

    E ainda tem um monte de analista: de central de retaguarda, de projetos, de controle interno etc.; a situação oscila de forma cíclica: muita gente e pouca estrutura, muito trabalho e pouca gente, muita responsabilidade e pouca remuneração. E assim as áreas meio vão dando conta do recado, ou pelo menos tentam. Não podemos negar que são esforçados.

    Entrando na seara gerencial, se sobressaem os GSN’s. Que grupo fantástico, normalmente trabalham mais de 8 horas, suam a camisa para contribuir com os resultados das Agências e ainda não se sentem preteridos quando vêem as funções de atividades meio serem melhor remuneradas do que a sua. Sou fã deles.

    E o que dizer dos GN-Pronaf? Verdadeiros filantropos, pois abriram mão de ter a remuneração equivalente aos demais gerentes de negócios das agências, apesar de também terem metas a cumprir, carteira de clientes a gerenciar etc. Dizem que fazem isso para demonstrar e refletir empatia ao público humilde que atendem.

    Já os gerentes executivos administrativos se vangloriam por conseguirem administrar, sozinhos, o que em empresas privadas normalmente é exercido por outros dois ou três. Os caras são verdadeiros “workaholics”, dão conta da tesouraria, da gestão de recursos humanos e da gestão patrimonial das unidades. Alvo preferencial dos assaltantes de banco, sentem-se a última cocada do pote por tal privilégio. Dizem que não precisam de ajudantes e também não querem tomar cursos de formação e reciclagem específicos para sua área. Verdadeiros autodidatas. Palmas para eles.

    Pari passu, seguem os gerentes executivos operacionais de recuperação de crédito, que ressurgiram das cinzas após tenebroso inverno. Revigorados, atraíram para si todos os holofotes quando toparam protagonizar um monólogo no exercício das atividades do setor operacional, contando apenas com alguns figurantes no cenário. O script não era bem esse, mas eles merecem um Oscar.

    Tem também os gerentes de negócios atendimento, MPE, empresarial e corporate. Essa galera rala muito: tem que bater meta, tem que associar três produtos, tem que fazer captação, tem que contratar mais e manter a adimplência, tem que vender seguro e título de capitalização e tem que validar a carteira. É tanta coisa que eu pensava que não tinha como fazer tudo isso, mas eles fazem e nem exigem uma remuneração compatível com tanto trabalho.

    E, no ápice da hierarquia, donos da principal outorga de representação institucional, os gerentes gerais. Além de não terem problema algum em gerenciar tantos colaboradores satisfeitos com as benesses listadas acima, ficam extremamente realizados quando vêem suas metas elevadas sem justificativa, quando vêem as regras do jogo mudadas aos 45 do segundo tempo, quando olham para a equipe de sua unidade e percebem que tem gente sobrando. Imagino como deve ser confortável, para eles, trabalharem com a idéia de serem responsabilizados por tudo que acontece em uma agência bancária.

    E dando suporte a tudo isso vem os sistemas! Ah... os sistemas, um monte de “S” que permite cadastrar, instruir, contratar, cobrar, receber e executar as tarefas em tempo hábil, as vezes até em tempo recorde. Os clientes ficam super satisfeitos com tanta tempestividade. É tecnologia sem igual, de fazer invejar ao povo de Seráfia.

    Além disso, tem algo que une todos esses privilegiados bancários, uma nítida expressão da sua consciência de classe: todos não fazem questão das perdas salariais acumuladas que chegam aos 32% e, apesar de ser uma das categorias com mais registros de doenças laborais, ninguém liga para essa história de assédio moral, de extrapolação da jornada e de qualidade de vida no trabalho, pois, para eles, é tudo intriga da mídia sindical. Digam-me: existe povo mais altruísta e resignado do que este, que concede voluntariamente seu sangue e suor ao Estado, abrindo mão do seu poder de compra, abrindo mão do tempo com a família em prol do trabalho? Nunca tinha visto pessoas físicas se doarem tanto a uma pessoa jurídica. Madre Tereza de Calcutá e Irmã Dulce devem estar orgulhosas de nós.

    Em meio à enxaqueca que todo esse pensar me causou, ensejo ir ao médico e logo lembro de pegar meu cartão da Camed. Não tive como conter o sorriso em saber que, morando no interior, sempre terei uma dezena de profissionais de saúde à minha disposição, seja para curar uma simples dor de cabeça, seja para uma cirurgia mais complexa. Comovido, lembro também que daqui a uns 30 anos irei me aposentar, tranquilo e contente, pois vejo que meus colegas com mais tempo de banco estão plenamente satisfeitos com a Capef, tanto que, mesmo já tendo completado o tempo de aposentadoria, muitos preferem não fazê-lo para não ofender os cofres da caixa de previdência.

Mas nem tudo são flores na vida dos funcionários do BNB. Dizem que a instituição está sofrendo com uma moléstia denominada síndrome da macrocefalia, que, no popular, significa síndrome da cabeça grande. Entretanto, meu otimismo me diz que não precisamos nos preocupar muito, afinal, a sabedoria de nossas avós dizia que cabeça grande é sinal de inteligência. E quem não almeja ser mais inteligente?

    Outro problema também preocupante é que, recentemente, o Governo Federal anunciou mudanças drásticas na política de crédito do Banco. Não tenho nada contra suas especificidades, mas apenas quanto à forma como se dá. Não é preciso entender muito de física para saber o que acontece com um veículo - de proporções regionais e de engrenagens frouxas como o BNB - que, em velocidade alta e com aceleração constante, muda bruscamente de direção. Basta lembrarmos um pouco das Leis de Newton e logo avistaremos uma tragédia anunciada, capaz de causar danos irreparáveis a instituição. Mais uma vez, meu otimismo me salvará da alcunha de Nostradamus. Já que vivemos em um país em que as leis são sabotadas rotineiramente e sem escrúpulos, saberemos driblar do jeitinho brasileiro as pífias de Newton, afinal, se até Einstein conseguiu, porque nós, bravos benebeanos, também não conseguiremos?

    Uma colega me disse recentemente que homem não tem intuição. Discordo, até porque intuir nada mais é do que elaborar um pensamento sem definição concreta da origem dos seus fundamentos, ou seja, um exercício arbitrário da nossa falta de razão. Enfim, minha intuição me diz que existem outras moléstias maculando os resultados da instituição: esqueletos e almas penadas assombrando-nos no sonho/pesadelo de receber uma contrapartida justa dos lucros auferidos. Alguns velhos encostos ainda nos causam calafrios: Byron Queiroz e o Dest. O primeiro por ainda nos verter a um passado próximo tão amargo e trágico e o segundo por querer ancorar nossos planos de crescimento presente e futuro. Até quando participaremos deste filme de terror?

    Sentido o cheirinho do café matinal, imagino como todo este país das maravilhas, ou melhor, banco das maravilhas seria espetacular se a carapuça de uma Alice às avessas não nos caísse tão bem e se a ironia não fosse o tempo forte do compasso e descompasso dessa crônica casual. Que o antidiagnóstico de nossa realidade e as reticências, exclamações e interrogações que ela gere permitam a vocês responderem aos questionamentos que eu não consegui: por que somos chamados a nos mobilizar? Por que, no final das contas, temos que fazer greve? Afinal, temos motivos para fazer greve?


Rheberny O. Santos Pamponet é diretor regional da AFBNB BA/SE
Fonte: AFBNB
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Última atualização: 16/09/2011 às 11:03:00
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