Cyro Garcia concedeu entrevista à AFBNB, na qual traça linhas gerais para a classe trabalhadora e diz o que deve ser mudado na forma de mobilizar a categoria bancária.
Garcia é Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); dirigente da CSP-Conlutas; membro da oposição bancária do Rio de Janeiro, filiado ao MNOB; fundador e ex-membro da Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT); fundador e ex-membro do Partido dos Trabalhadores (PT); fundador e presidente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU-RJ); Deputado Federal pelo Rio de Janeiro em 1992-1993; funcionário do Banco do Brasil na ativa há 34 anos.
Confira a entrevista na íntegra abaixo:
AFBNB: Muito se falou do arrefecimento do movimento sindical brasileiro, de um modo geral, com a vitória de um metalúrgico para a presidência. Qual sua avaliação sobre isso? Essa postura trouxe perdas para os trabalhadores ou o momento histórico era mesmo de alinhamento?
Cyro Garcia: A vitória do Lula gerou uma grande expectativa na classe trabalhadora, principalmente por causa da sua história de vida. Muitos trabalhadores acreditaram que a nossa classe tinha chegado ao poder. Mas, na verdade, o governo Lula em seus dois mandatos foi um governo de Frente Popular, ou seja, um governo de conciliação dos interesses da burguesia com os interesses da classe trabalhadora, mas a serviço da burguesia. Lula foi um continuador da política de FHC. Porém, o principal motivo para o arrefecimento das lutas foi a cooptação de setores importantes do movimento social, como a CUT, a UNE e setores do próprio MST. Estes setores passaram a ser correia de transmissão dos interesses do governo no seio de nossa classe. Exemplos dessa política encontramos na omissão da CUT por ocasião da reforma da previdência dos servidores públicos e na postura da CONTRAF-CUT nas campanhas salariais bancárias, de abandono da luta pela reposição das perdas do Plano Real e de defesa de índices rebaixados.
AFBNB: O PSTU manteve uma postura de oposição em relação ao governo Lula, mas é inegável que o modelo adotado por ele trouxe benefícios para a população mais pobre, historicamente excluída das políticas públicas. Que ponto prioritário poderia ter avançado e não avançou?
CG: Na verdade a política de Lula em relação à população mais pobre foi seguir a cartilha do Banco Mundial. Foram políticas paliativas como o Bolsa Família, dentre outras, mas que na verdade não se voltaram para a erradicação da pobreza e sim uma política de esmolas que gerou dependência e a perpetuação da miséria. Vários são os pontos que precisam ser avançados, a começar pelo reajuste do salário mínimo. É uma indecência o que está sendo feito pelo governo e os parlamentares que se deram reajustes de 63% a 137%, e querem dar um reajuste irrisório no salário mínimo. A tragédia da Região Serrana do Rio de Janeiro, com centenas de mortes, evidencia a total ausência de uma política voltada para os mais necessitados. Ninguém mora em área de risco por que gosta de correr perigo, porém com este salário e o grande número de desempregados, acaba sendo a única alternativa. Não existe um plano de moradias populares. O governo Lula, em 2010, só realizou 40% do orçamento que estava previsto para prevenção de enchentes, sendo que desta verba só 0,06% foi destinado para o Estado do Rio de Janeiro.
AFBNB: Quais as expectativas do PSTU com relação ao mandato de Dilma?
CG: Infelizmente, para nós trabalhadores, o Governo Dilma será um governo de continuidade da política do Governo Lula. Vários ataques já estão sendo sinalizados: uma nova reforma da previdência; corte de gastos públicos, que penalizarão a educação e a saúde, que já estão em estado de penúria; congelamento do salário dos servidores, etc.
AFBNB: Quais os principais desafios da classe trabalhadora para os próximos anos?
CG: Temos que levar em consideração que o Governo Dilma se inicia em meio a uma grave crise do capitalismo em nível mundial. Estamos assistindo a uma série de ataques a conquistas dos trabalhadores na Europa, com o objetivo de fazer com que estes paguem pela crise. O positivo é que a classe trabalhadora européia tem dado uma resposta à altura, com greves gerais como aconteceu na Grécia, na França, na Espanha e grandes mobilizações como vimos na Inglaterra, Portugal e outros países. São nessas greves e mobilizações que temos de nos inspirar para respondermos aos desafios que estarão colocados para a classe trabalhadora nos próximos anos.
AFBNB: Apesar dos lucros exorbitantes dos banqueiros, os bancários ainda penam com salários rebaixados, assédio moral e trabalho gratuito. De que forma resgatar a dignidade desses trabalhadores em particular?
CG: Primeiramente temos de nos organizar para superar as traições da CONTRAF-CUT, que é hoje a direção majoritária da categoria. Neste sentido é muito importante fortalecer a iniciativa do MNOB - Movimento Nacional de Oposição Bancária, encabeçada pelos Sindicatos dos Bancários do Maranhão, do Rio Grande do Norte e de Bauru, de construir uma campanha alternativa, com uma pauta alternativa, que recoloque a luta pela reposição das perdas, a luta pela isonomia e a luta pela estabilidade no emprego. Temos de denunciar a política de Mesa única da FENABAN, que visa rebaixar nossos índices e organizar a categoria para uma campanha unificada de fato nas lutas, voltada para a obtenção de conquistas.
AFBNB: O neoliberalismo tem sofrido desgastes nos últimos anos, sobretudo com as crises que não pouparam nem mesmo as grandes potências. Na sua opinião, enquanto historiador, é o fim desse modelo?
CG: A crise que o capitalismo está enfrentando é uma demonstração inequívoca da falência deste modelo, ela se dá nos principais países do imperialismo. Porém o capitalismo não vai cair de podre, sempre procurará respostas jogando o ônus da crise sobre a classe trabalhadora com o objetivo de restabelecer suas taxas de lucro. É fundamental que a classe trabalhadora se organize para lutar pela superação deste modelo e construir um modelo alternativo, o socialismo, onde os trabalhadores possam de fato usufruir da riqueza que eles constroem e viver dignamente, desfrutando da plenitude que a vida pode nos oferecer.
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