Levantamento inédito evidencia a lógica desigual do modelo de sistema financeiro em vigor no Brasil.
A cada R$ 137,00 captados no Nordeste pelo sistema bancário, apenas R$ 100,00 são aplicados na própria região. Os R$ 37,00 restantes são investidos em áreas ricas do País, que dão mais retorno aos cofres dos bancos. Enquanto isso, no Sudeste, além de cada R$ 86,00 captados, juntam-se R$ 14,00 que vem de outras regiões, como Norte e Nordeste. Desta forma, são investidos R$ 100,00.
Os dados são do estudo inédito "A Intermediação Financeira e a Transferência de Recursos entre Regiões", desenvolvido pelo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), que analisa o fluxo de recursos entre as regiões do País, através do sistema financeiro. Os números evidenciam a lógica desigual do modelo de sistema financeiro em vigor no Brasil, revelando o mecanismo como um dos principais responsáveis pela perpetuação das diferenças sociais e regionais existentes no Brasil.
De acordo com o trabalho desenvolvido pelo Etene, há uma transferência injusta de recursos do Nordeste para outras regiões mais favorecidas do País. "Esse estudo deixa claro sobre o que se capta e o que se aplica de fato em investimentos e operações de crédito em cada uma das cinco regiões. E mostra que a relação captação e aplicação de recursos é injusta para o Nordeste", frisa Jânia Pinho, gerente do Ambiente de Estudos, Pesquisa e Avaliação do Etene. Ela explica que, de acordo com a lógica do sistema bancário, os bancos captam recursos e aplicam em regiões que tem projetos melhor estruturados, que possuem menos riscos e que dão um retorno econômico financeiro mais positivo para eles.
Maior prejudicado
O levantamento mostra também que, nos últimos três anos (2007 a 2009), o Nordeste foi a região do País mais penalizada pelo funcionamento da intermediação financeira.
Considerando-se a média do período, a relação de captação dos depósitos e aplicação de recursos é da ordem de 1,37% no Nordeste. Ou seja, quando se divide o somatório dos recursos captados pelos operações de crédito realizadas na Região, chegamos a 1,37. "Isso significa que de cada R$ 137 captados no Nordeste, apenas R$ 100 foram aplicados internamente. Os R$ 37 restantes foram transferidos para outras áreas", explica.
Sudeste
Em contrapartida, o Sudeste continua sendo a região mais beneficiada pelas intermediações financeiras. A relação depósito/operação de crédito na Região é de 0,86%, o que quer dizer que para cada R$ 86,00 de depósitos captados na Região, são aplicados R$ 100 pelo sistema bancário. O déficit interno de R$ 14,00 é financiado pelas poupanças captada em outras áreas de atuação localizadas no Norte e Nordeste. "Significa dizer que os bancos estão transferindo recursos escassos de áreas mais pobres para financiar o desenvolvimento de locais mais ricos", denuncia.
Segundo a gerente, a falta de regulação do fluxo de recursos contribui para a equação adotada pelos bancos. "Não existem barreiras internas que regulem o fluxo de recursos. Eles vão para regiões que dão maior retorno ao sistema bancário e tenham menos riscos. Não há compromisso (dos bancos) com a Região. E a gente sabe que o Nordeste ainda requer algumas intervenções, numa lógica diferente do atual sistema bancário", argumenta.
PREJUÍZOS
Dimensão das perdas no NE é grande nos últimos anos
O estudo do Etene aponta o tamanho significativo das perdas que as transferências de recursos do sistema financeiro têm gerado para o Nordeste nos últimos três anos. "Essas perdas são tão representativas, que nesse período (2007-2009) corresponderam a 6,27% do PIB (Produto Interno Bruto) da região. Quando se confronta a captação dos depósitos com o saldo das aplicações do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), as perdas são ainda mais elevadas, correspondendo a 109,67%. Os prejuízos, nesse caso, são ainda mais injustos. Ou seja, mesmo com os recursos do FNE, a gente não consegue diminuir as perdas", conclui Jânia Pinho.
Para o gerente de Macroeconomia do Etene, Airton Sabóya as perdas são históricas. "Poucas pessoas dão atenção a atuação do sistema financeiro como instrumento de desenvolvimento regional. No Brasil, isso é pouco observado. Os formuladores de políticas públicas precisam perceber que o sistema bancário pode vir a ser uma importante ferramenta para promover o desenvolvimento regional. Mas é necessário que se crie mecanismos que possam reduzir perdas e regular a atuação do sistema financeiro. De forma que os bancos possam aferir lucro, mas também que desempenhem papel de desenvolvimento social", argumenta. |