Os mercados viveram ontem um dia de cão. A Bovespa chegou a cair 15% e fechou em baixa de 5,43%. O circuit breaker foi acionado duas vezes, reflexo desesperado da falta de confiança nos mercados, diante da crise financeira norte-americana, e da busca por liquidez
Manhã assustadora foi a de ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Por volta das 10h, diante de uma queda de 10%, o circuit breaker foi ativado e as negociações paralisadas por cerca de 30 minutos. Era a primeira tentativa de acalmar um mercado especialmente nervoso e amenizar perdas. Mas o que já era ruim conseguiu ficar pior por volta das 11h40min. Com uma amarga queda de 15%, o circuit breaker foi novamente ativado e, mais uma vez, corretores cruzaram os braços, tensos. Sinal de um almoço um tanto quanto indigesto e de uma longa tarde de indefinições que atingiu todos os mercados do mundo, graças à crise financeira norte-americana que, ao que tudo indica, continua distante de um final feliz.
O que tem levado os mercados a tanta desconfiança não se explica em apenas uma linha. A situação de crise, preocupante, tem-se espalhado feito pólvora, chegando com força na segunda maior economia mundial, a da União Européia. Por lá, o sistema financeiro também pede socorro e ainda não se sabe ao certo se é tudo mera conseqüência da crise dos norte-americana, ou se pela Europa, o sistema financeiro também se constituiu sobre areia movediça. "Não dá para mensurar o tempo de recuperação (dos mercados). Nos EUA já sabemos a origem do problema, com uma regulamentação financeira frouxa. No mercado europeu ainda é preciso saber exatamente onde está o problema. Se a origem (do problema) for a mesma do mercado americano, menos mau. Mas ninguém sabe ainda o que tem de podre nos ativos das grandes instituições financeiras mundiais", analisa Sérgio Melo, presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef-Ce).
Para Melo, a volatilidade as bolsas no caso do Brasil é normal por se tratar de um "mercado independente". "Os países, como é o caso do Brasil, que têm nas suas bolsas uma grande participação de investidores internacionais, é maior a queda. Aumenta o número de investidores querendo vender e menos querendo comprar. Muitos desses investidores vêm ao Brasil só para aplicar no mercado de capitais. Em situações como a de ontem acontece uma venda em massa", explica complementando que "o Brasil é o reflexo do que está acontecendo no mundo". O presidente do Ibef acredita que se o mercado americano tivesse recebido há 15 dias a aprovação do pacote de socorro às instituições financeiras, os mercados estariam mais calmos. "Como houve uma demora entre a proposta original e a que foi aprovada, esse tempo todo piorou a situação e a doença se agravou", finaliza.
Confiança
Raimundo Porto Filho, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento no Mercado de Capitais no Nordeste (Apimec-NE), vê a quebradeira de ontem como resultado da falta de confiança nos mercados e de liquidez, associados a um clima de irracionalidade. "A questão agora é esperar o que vai acontecer. Mas o que vai acontecer amanhã (hoje)? Ninguém sabe. Amanhã (hoje) é outro dia. Qualquer prognóstico é um mero palpite, já que a questão central é confiança e essa confiança está longe de ser estabelecida nos bancos e no sitema financeiro. E confiança ninguém decreta, ou tem ou não tem. No momentos em que os agentes sentirem confiança, a crise tende a se resolver", diz Porto Filho.
E por falar em confiança, a entrevista coletiva convocada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para anunciar medidas de ajuda a pequenos bancos e empresas exportadoras, serviu para acalmar o mercado financeiro ontem a tarde. E assim, como em um passe de mágica, a bolsa brasileira reagiu e fechou em 5,43%.
LIQUIDEZ: Sem socorro, pequenos bancos serão atingidos
A crise na economia mundial pode começar a afetar instituições financeiras no Brasil. Esta é a previsão de alguns operadores da Bolsa de Valores que já demonstram pessimismo sobre o crédito no Brasil. O problema estaria na falta de liquidez externa, o que pode ocasionar dificuldades para bancos com patrimônio menor do que R$ 2,5 bilhões. Para especialistas, a situação é bem mais grave do que aparenta, e longe da "marolinha" anunciada pelo presidente Lula, em tom sarcástico no início da crise. Se o Banco Central não entrar no circuito, a quebradeira de instituições menores é um fato possível.
O gargalo está na forma como bancos e financeiras realizam sua alavancagem. Segundo explica um operador de uma operadora paulista, que prefere não se identificar, uma instituição bancária pode emprestar até 15 vezes o valor total de seu patrimônio, conforme as regras mundiais de mercado. No Brasil, essa alavancagem é mais conservadora e está por volta de sete vezes. Essa é uma taxa considerada razoável pelo mercado e vem impulsionando a oferta de crédito no País. No entanto, como os bancos emprestam valores bem acima do que dispõem em caixa e, até mesmo em patrimônio, a saída para honrar os compromissos seria captar recursos no Exterior. Com a crise nos EUA, que se espalhou por todo o mundo, a oferta de capital praticamente zerou e os bancos e financeiras de pequeno porte correm o sério risco de acabar sem liquidez, ou seja, sem dinheiro para repor os empréstimos que concedeu. Sem uma alternativa para busca de crédito, as dívidas se acumulariam o que fatalmente causaria a quebra de uma instituição financeira.
"A situação é séria. Se o Banco Central não atuar de maneira eficiente, a captação de crédito externo será complicado, não há dúvidas", alerta o operador. Segundo a fonte, uma alternativa parece ter surgido depois das declarações do presidente do Banco Central, Guido Mantega, e do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmando que parte das reservas cambiais brasileiras deverão ser usadas para gerar liquidez no mercado interno. "O discurso acalma, mas é preciso ver isso na prática", observa.
As medidas parecem ter agradado ao mercado, já que o Índice Ibovespa fechou a 42.100 pontos, em uma desvalorização de 5,43% depois de ter sofrido uma grande queda, em que foram necessárias duas interrupções através do mecanismo de circuit breaker, que interrompe as negociações quando o índice atinge uma desvalorização de 20%. Outro motivo para a recuperação é também a melhora em Nova York com notícias de um possível corte na taxa de juros em operação coordenada pelos principais Bancos Centrais no mundo, além de uma reunião do G8 sobre a crise.
CRISE FINANCEIRA: BC confirma ajuda a bancos pequenos
O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, disse ontem à noite que a medida provisória que permite a compra das carteiras de crédito de bancos em dificuldades, anunciada pelo governo, ainda deve ser regulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para entrar em vigor. A medida vai permitir a compra de carteiras de bancos pequenos no exterior. A informação é do site de notícias G1. Durante a tarde de ontem, Meirelles e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haviam anunciado outras medidas para aumentar o crédito para exportações.
A compra das carteiras de bancos em dificuldades, na verdade, são empréstimos com a possibilidade de recompra dos títulos, segundo Meirelles. O Banco Central poderá conceder empréstimos aos bancos em dificuldades, que dão suas carteiras de crédito como garantia. Se a instituição não puder honrar o empréstimo, o título passa a ser do Banco Central - o que, na prática, significa a compra dos títulos pelo BC.
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