No Nordeste, bem-estar cresce menos que a renda em razão da desigualdade, revelam pesquisadores
Entre 2002 e 2006, a renda familiar per capita no Nordeste subiu à ordem de 4,19% ao ano. Foi o resultado mais expressivo do País, ainda mais em uma região que concentra 33% da população e 50% dos pobres brasileiros. No entanto, uma queda mais efetiva da pobreza ainda empaca na grande desigualdade e sua lenta redução em todos esses anos. Embora tenha cedido de 60,7% para 58,4% no período, a concentração de renda ainda é alta. No Sul, por exemplo, é 51,1%.
Os ganhos em bem-estar social per capita chegam a 5,47% ao ano, mas se considerados apenas os efeitos da redução da desigualdade nesses cinco anos, os ganhos caem para apenas 1,29%, o pior do Brasil. Se levado em conta somente 2006, a renda familiar per capita cresceu 12,29%, mas a desigualdade gerou uma perda de 1,54% no crescimento econômico nordestino.
´Em todas as regiões a redução da desigualdade foi a principal aliada ganho de bem-estar nesse período, com exceção do Nordeste´, comenta Carlos Alberto Manso, do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), da Universidade Federal do Ceará (UFC), que elaborou um estudo sobre os ganhos dos mais pobres com o crescimento econômico pós-Plano Real.
Os resultados foram apresentados, ontem, na Pós-Graduação em Economia (Caen), à qual o LEP é vinculado. Segundo Manso, há duas formas de se chegar à redução da pobreza e que levam o poder público a um dilema, uma vez que nem sempre os orçamentos são suficientes para agir nas duas frentes: o aumento da renda e a redução da desigualdade. Os dados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apontam que, no caso do Nordeste, a primeira opção tem se destacado.
Levando em conta que a renda do trabalho representa cerca de 75% da renda familiar, considerando todas as fontes (salários, pensões, transferências e aluguéis, entre outras), o LEP analisou as mudanças no cenário do emprego nos últimos anos. ´Na segunda metade dos anos de 1990, passamos por crises internacionais que afetaram o mercado, como a dos Tigres Asiáticos. Depois disso é que vimos recuperação´, afirma o economista Flávio Ataliba, também integrante da equipe responsável pelo estudo.
De 2002 a 2006, a renda do trabalho per capita teve um avanço de 4,33% ao ano no Nordeste, mas os índices negativos relativos ao bem-estar (-0,46% ao ano) contribuíram para reduzir o crescimento pró-pobre da renda a 3,97% por ano. ´O bem-estar cresce menos que a renda em razão da desigualdade´, explica Carlos Manso. ´Reduzir a desigualdade é mais difícil do que aumentar a renda, é um processo que exige ações mais transformadoras´, argumenta Manso.
MAIS EMPREGO FORMAL NA REGIÃO: Produtividade cresceu 3,59%
Ainda afetada por crises internacionais do fim da década de 1990, a taxa de crescimento do emprego no Nordeste é negativa (-0,03%) na média anual entre 2002 e 2006. A recuperação reflete nos dois últimos anos (0,32% e 0,45%).
O número de horas trabalhadas também caiu 0,28% por ano nesse período. Então o que explica a influência da renda do trabalho no crescimento econômico dos mais pobres?
De acordo com a pesquisa do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), da UFC, são dois os fatores principais responsáveis pelo aumento de 4,33%, ao ano, na renda per capita do trabalho no Nordeste: a participação da força de trabalho e, sobretudo, a produtividade. Ou seja, em uma mesma família, mais pessoas estão trabalhando e também produzindo mais. A taxa de aumento da participação da força de trabalho cresceu cerca de 1,04% ao ano no período. A maior influência é da produtividade, que teve uma alta de 3,59% ao ano na região no período analisado. Segundo o pesquisador Carlos Manso, é um índice positivo, pois demonstra a capacidade de transformar educação em renda. ´Na hora que o mercado ficou atrativo, tinha gente para ocupar esse espaço´.
Conforme o levantamento, houve um aumento de 3,95% por ano no nível de escolaridade do trabalhador nordestino, inclusive com taxas anuais de ganhos pelo efeito distributivo da escolaridade de 2,77%.
Diante desses resultados, Manso argumenta que ´as políticas públicas no Nordeste não podem ser mais focadas somente no crescimento da renda, mas também nas qualidades individuais, sobretudo no sistema educacional´. Flávio Ataliba, também responsável pela pesquisa, acrescenta que os resultados do período 2002-2006 (3,95%) para a componente de anos de estudo são próximas ao verificado entre 1995 e 2002 (3,75%).
Ele acredita que os números mais recentes podem ter sido impactados por investimentos passados. ´Naquela época, os trabalhadores podiam não estar conseguindo transformar educação em renda por causa das instabilidades no mercado de trabalho. Hoje estamos em mares calmos da estabilidade econômica´, argumenta Ataliba. Segundo os pesquisadores, o grande desafio do poder público é fornecer educação no mesmo nível que vem sendo exigido pelo mercado, sob o risco de migração de mão-de-obra qualificada em algumas regiões e aumento da desigualdade de renda entre trabalhadores, o que seria mais um obstáculo para a redução da pobreza.
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