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Saiu na Imprensa

  25/08/2008 

"O Brasil precisa do Nordeste"

No dicionário da macroeconomia, encontram-se palavras como inflação, câmbio, políticas sociais, desenvolvimento. O economista João Sicsú Siqueira decifra, nesta entrevista, o significado de cada uma delas para um país múltiplo como o Brasil

Era uma boa tarde, aquela da entrevista. Para começo de conversa, o economista João Sicsú Siqueira trouxe os números do dia: "São mais indicadores positivos. Indicadores de manutenção da taxa de crescimento, queda da taxa de desemprego, aumento do grau de formalização e uma possível desaceleração da inflação". O Brasil vai bem. Mas vai ainda feito equilibrista, caminhando rumo ao horizonte do desenvolvimento na corda bamba das desigualdades regionais. "O Brasil precisa ser um país mais uniforme", avalia o diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea-Rio de Janeiro). "Projeto regional de desenvolvimento é condição básica para o projeto nacional de desenvolvimento", relaciona João Sicsú. É cada um por todos. "Nenhuma região do País pode viver sem o Brasil. O Brasil precisa do Nordeste, e o Nordeste precisa do Brasil".

João Sicsú Siqueira foi o convidado do programa Grandes Personalidades do País - uma agenda de debates, organizada pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL) e pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE). Ele ministrou a conferência "Economia brasileira e as perspectivas do desenvolvimento". Nesta entrevista, João Sicsú sobrevôa o Brasil, partindo do Nordeste - região que tem despontado, por exemplo, nos índices de consumo nacional. E antevê tanto o controle da inflação, como um câmbio mantido à rédea curta. O Brasil vai pra frente. Os números botam fé no País. Mas é preciso acelerar. "A sociedade brasileira convive com o medo do crescimento e do desenvolvimento. Precisamos crescer mais ainda, nossa distância de um país desenvolvido continua muito grande", conclui o economista.


O POVO - Ao entrar em contato para esta entrevista, seu assessor pediu que eu retornasse em instantes, pois o senhor estava se preparando, colocando os números em dia. São mais indicadores positivos a respeito da nossa economia?
João Sicsú Siqueira - São positivos. São indicadores de manutenção da taxa de crescimento, queda da taxa de desemprego, aumento do grau de formalização e uma possível desaceleração da inflação.

OP - O Nordeste tem-se destacado com taxas de consumo maiores que em regiões como o Sul e Sudeste. Esse crescimento do consumo e da região se mantém a longo prazo? É sustentável?
João Sicsú - O consumo no Nordeste e em grande parte do Brasil tem crescido por, basicamente, três motivos. E esses fatores podem ser sustentáveis ao longo do tempo. Portanto, o consumo dessa região também é possível se manter ao longo do tempo. Na verdade, há ampliação dos programas sociais públicos, aumento do salário mínimo, o crédito e - citei três, mas são quatro motivos - o crescimento econômico gera a formalização da mão-de-obra, gera empregos de carteira assinada. Só para ficar mais claro: aumento dos programas sociais, do salário mínimo, a ampliação do crédito (tanto para o consumidor quanto de pessoa jurídica) e o crescimento econômico. Ou seja, todas essas variáveis são possíveis de serem controladas, portanto, o consumo ser mantido em um patamar mais elevado no Nordeste e no Brasil como um todo. O Nordeste não só necessita ser industrializado, que os investimentos, nessa região, sejam motivados, como merece ter uma indústria porque tem um mercado consumidor capaz de absorver a produção.

OP - Há uma música recorrente na memória da região Nordeste que conjectura: "Imagine o Brasil ser dividido/ e o Nordeste ficar independente"... Hoje, a região já pode consigo mesma? Como se reflete o Nordeste no espelho de desenvolvimento do Brasil?
João Sicsú - Nenhuma região do País pode viver sem o Brasil. O Brasil precisa do Nordeste, e o Nordeste precisa do Brasil. Tanto do ponto de vista cultural quanto das potencialidades econômicas naturais de cada região. O Brasil é um país de potencialidades porque, exatamente, é heterogêneo, que pode contar com diversas possibilidades locais, criativas, que tanto o Nordeste tem, como o Sul tem, o Centro-Oeste, o Norte, o Sudeste... Portanto, acho que um projeto de desenvolvimento para o Brasil passa, necessariamente, por cada região que tem seu projeto de desenvolvimento e integração nacional. Então, tanto o Brasil precisa do Nordeste como o Nordeste precisa do Brasil para haver desenvolvimento.

OP - Mas, atualmente, o Brasil precisa mais do Nordeste, ou o Nordeste precisa mais do Brasil?
João Sicsú - - (risos) Acho que ambos necessitam um do outro igualmente.

OP - Sobrevoando o País outra vez, quem ganha a nova guerra de braços, Brasil versus inflação?
João Sicsú - Brasil. Na verdade, teve uma inflação, este ano, no primeiro semestre, cuja causa fundamental era a elevação do preço dos alimentos. E os alimentos subiram por dois motivos. Pelo motivo de que, no Brasil e no mundo, a demanda dos alimentos subiu - o que é, extremamente, positivo. Ninguém pode pensar em reduzir a inflação dos alimentos cortando a demanda de alimentos. Isso significa reduzir a quantidade de alimentos para os indivíduos. E ninguém pode pensar nessa possibilidade. A possibilidade tem que ser a outra, que é aumentar a oferta de alimentos. E essa é a outra causa: a redução da oferta. Houve quebra de safra no Brasil e em diversas regiões do mundo. Essa correção de quebra de safra já está ocorrendo. Vai haver um aumento de safra. O Brasil mesmo vai produzir o dobro do que esperava, em termos de grãos, segundo o IBGE. E, portanto, se a oferta aumenta, há uma tendência à redução. Primeiro, há uma estabilização de preços, segundo, uma redução de preços dos alimentos. O Brasil vai vencer a inflação fazendo aquilo que qualquer país de bom senso faria: uma inflação de alimentos vai ser combatida com o aumento da oferta de alimentos, não com a redução da alimentação das pessoas.

OP - E o câmbio flutuante, é um novo fantasma para o País, dá para assustar a economia interna?
João Sicsú - Nos dias de hoje, com o aumento significativo de produtividade, que é resultado do acesso à tecnologia, do desenvolvimento tecnológico, não se pode mais ter um câmbio fixo. Necessariamente, se deve ter um regime de câmbio flutuante. O que se deve pensar é qual o índice de flutuação que um país suporta. A experiência internacional já mostrou que flutuações muito amplas da taxa de câmbio retraem o investimento ou causam inflação. Então, devemos ter um câmbio que deve flutuar numa margem aceitável, que não produza retração do investimento e inflação.

OP - Muito se celebrou o grau de investimento que o Brasil recebeu. Os números comemoram empregos, consumo, produção. Os indicadores econômicos são positivos, como nunca antes na história desse País... Mas as análises econômicas falam sempre em "sinal amarelo". Economista é "bicho escaldado"?
João Sicsú - Ter recebido o grau de investimento significa pouco para a realidade do povo brasileiro. Acho que é hora de a gente pensar em ter, já que adquirimos o grau de investimento, o grau de país desenvolvido. E, para tanto, a gente tem que pensar grande. Pensar grande significa apagar nosso sinal amarelo e acender nosso sinal verde para aceitar que nós queremos crescer, queremos distribuir renda, queremos elevar salários, queremos empregos formais. Não precisamos ter medo de crescimento e desenvolvimento. Talvez essa seja a principal limitação da sociedade brasileira, hoje. A sociedade brasileira convive com o medo do crescimento e do desenvolvimento. Precisamos crescer mais ainda, nossa distância de um país desenvolvido continua muito grande. Queremos apressar o passo. Para apressar o passo, a gente precisa ter muita responsabilidade monetária, fiscal e cambial, mas com o sinal verde ligado.

OP - O senhor mesmo dá crédito ao Brasil?
João Sicsú - Dou total crédito ao País.


PERFIL
João Sicsú Siqueira é diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea - Rio de Janeiro). É também professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ensinando sobre Macroeconomia e Economia Monetária a alunos da graduação, do mestrado e do doutorado. João Sicsú se formou economista pela Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, onde também concluiu o doutorado. Além dos estudos desenvolvidos no Ipea, ele é também pesquisador do CNPq.

Balanço da política monetária
Neste trecho do estudo "Planejamento estratégico do desenvolvimento e as políticas macroeconômicas", recém-elaborado pelo economista João Sicsú Siqueira, a atenção recai sobre as políticas cambial e monetária, pontas de um cabo de guerra contra a inflação. A íntegra pode ser consultada na Internet, no site do Ipea (www.ipea.gov.br).

"A política cambial que favorece o investimento e a industrialização mais sofisticada é aquela capaz de estabelecer uma taxa de câmbio competitiva para a produção e a exportação de bens manufaturados. Uma política de administração cambial - de uma taxa que deve ser flutuante - em que o Banco Central compra e vende reservas, realizando um verdadeiro processo de sintonia fina, é capaz não só de manter a taxa de câmbio em patamar competitivo para as exportações de manufaturados, mas também de reduzir a volatilidade cambial - enfraquecendo, em decorrência, a atividade especulativa no mercado de moeda estrangeira.

A defesa do equilíbrio externo requer atenção não somente com a balança comercial, mas também com a conta de investimentos financeiros internacionais. Capitais financeiros que têm por finalidade financiar o investimento e a produção são bem-vindos, sejam eles domésticos ou estrangeiros. Capitais financeiros que têm o mero objetivo de sua capitalização, sem que este processo traga benefícios à produção ou ao investimento, não são bem-vindos.

A corrente dos capitais financeiros que buscam apenas a sua capitalização via movimentos especulativos e de arbitragem deve ser desestimulada. A primeira e principal medida nesse campo é o estabelecimento de uma taxa de juros básica da economia em patamar semelhante ao da americana. Se uma taxa de juros relativamente baixa não for capaz de evitar os males dos movimentos especulativos dos capitais, outras medidas devem ser adotadas, como, por exemplo, a cobrança de impostos sobre a movimentação financeira internacional.

A política monetária que favorece o investimento e a industrialização mais sofisticada é aquela que é totalmente consistente com a política cambial descrita. Não se pode determinar uma política monetária independentemente da política cambial (e vice-versa), ainda que o regime de câmbio seja flutuante, porque um regime de altas taxas de juros está necessariamente associado a um regime de câmbio valorizado, quando a economia está financeiramente aberta. Esta é uma conhecida gangorra da macroeconomia.

Uma política monetária de taxas de juros baixas é consistente, portanto, com uma política cambial de taxa competitiva. Conforme colocado aqui, uma política de taxas de juros elevadas determina uma taxa de câmbio valorizada e impõe custos elevadíssimos de carregamento de reservas ao setor público, o qual recebe a taxa de juros americana e paga a taxa de juros doméstica por cada dólar retido no Banco Central.

A taxa de juros é, assim, fundamental para manter o equilíbrio externo, que deve ser entendido como: transações com o exterior facilmente financiadas e blindagem contra movimentos de capitais financeiros que são maléficos. Mas é também fundamental para manter o equilíbrio macroeconômico interno, que significa: alto crescimento com inflação baixa. Nesse sentido, uma nova concepção deveria governar a determinação da taxa de juros. Todo poupador cujos recursos não financiam algum tipo de gasto doméstico (consumo ou investimento) é um gerador de desemprego.

Quanto maior a taxa de juros maior é o estímulo para a poupança e, portanto, maior é o desemprego causado pelo poupador. Logo, a taxa de juros deveria ser pensada como um instrumento capaz de punir aqueles que não querem gastar, ou seja, como um instrumento que pune o gerador de desemprego. Por conseguinte, a taxa de juros deveria ser sempre baixa, muito baixa.

Mas como a sociedade de bem-estar que se deseja construir deve possuir uma economia de emprego para todos, estabelece-se aqui uma contradição: de um lado um instrumento antiinflacionário eficaz que gera desemprego e, de outro, a obrigação estratégica social e funcional permanente de gerar mais empregos. A alternativa não pode ser abandonar a taxa de juros, um instrumento antiinflacionário eficaz, mas sim reduzir ao máximo possível a utilização antiinflacionária da taxa de juros, sem que o objetivo da estabilidade de preços seja relegado a um segundo plano. Para tanto, o objetivo da estabilidade de preços deveria ser um objetivo de todos os órgãos públicos.

O Banco Central deveria ser o controlador de última instância da inflação, e não o primeiro e único órgão do governo preocupado com um problema que é amplo, complexo e com muitas especificidades. Deixar somente o Banco Central responsável por tratar da estabilidade de preços é o mesmo que solicitar a um médico clínico geral para solucionar ora um problema do coração, ora um problema de pele, ora um problema do estômago. Manter a inflação sob controle é algo tão importante que deveria haver uma câmara formada por diversos organismos do governo - inclusive o Banco Central - e dirigida pelo ministro da Economia para deliberar sobre o assunto".

 
 

Fonte: Jornal O Povo
Última atualização: 25/08/2008 às 14:06:00
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