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Saiu na Imprensa

  09/07/2008 

Perseguição ao MST traz de volta o velho autoritarismo

Documento aprovado por unanimidade pelo Conselho Superior do MP gaúcho, que pede a dissolução do MST, é um desrespeito à Constituição. Para especialistas, o fato tem traços flagrantes de autoritarismo e remonta "aos anos de chumbo" no país
 
Leia Mais:Estratégias globalizadas para a criminalização
 
Com a ação judicial preparada pelo Conselho Superior do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, que visa proibir as atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a entidade tomou uma atitude rara, quase inédita, para os períodos de democracia pelos quais o Brasil já passou.
 
A decisão unânime dos nove membros da instância máxima do MP gaúcho, que por fim sugere a dissolução do movimento, é comparada por especialistas com a dizimação das Ligas Camponesas, a partir do golpe militar de 1964. Mas com um agravante. À época, a incipiente ditadura militar fazia vistas grossas aos ataques de latifundiários contra os camponeses, agora o Estado é evocado para ser protagonista do processo de extinção de um movimento social.
 
A cassação de organizações sociais e políticas tem sido uma característica das ditaduras brasileiras, como a de Getúlio Vargas, que fechou sindicatos não-alinhados a ele, e o regime militar, que promoveu uma caça a seus opositores. Esse tipo de restrição já ocorreu também em um período de frágil estabilidade democrática. Entre a ditadura Vargas e a militar (1946-1964), o Partido Comunista Brasileiro foi posto na ilegalidade e seus parlamentares foram cassados, em 1947, pelo governo do Brigadeiro Eurico Gaspar Dutra, que buscava posicionar-se com mais ênfase ao lado dos EUA durante a Guerra Fria.
 
Servidor do povo?
 
Ao determinar a proibição de marchas, a intervenção no sistema de ensino nas escolas do MST e, numa ação combinada com a Brigada Militar, retirar trabalhadores rurais de áreas cedidas, o MP fere ao menos três direitos estabelecidos pela Constituição de 1988, de acordo com juristas consultados pela reportagem.
 
No artigo 5 da Constituição, há dois incisos atacados pela decisão, o 16, que assegura o direito de reuniões, sem armas, em locais abertos ao público e o 18 que rechaça a interferência estatal em associações e cooperativas. Para o jurista Fábio Konder Comparato, a ação do MP também ignora o direito ao trabalho e a determinação de que a propriedade deve cumprir uma função social. Comparato teme pela perda de credibilidade de uma instituição respeitada como o MP.
 
“O que está acontecendo no Rio Grande do Sul é um desvio de função do Ministério Público. De acordo com a Constituição, o MP deve fazer a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais. Ministro significa servidor, então o MP seria o servidor do povo. Ao invés de defender o povo e seus direitos fundamentais, o MP cerra fileiras na defesa dos interesses de grandes proprietários rurais e empresas multinacionais de agronegócio”, avalia.
 
O jurista lembra como o direito de manifestação foi importante para as garantias de direitos e a construção de leis contra a exploração de trabalhadores e, no entanto, essa garantia não está sendo observada em alguns casos, sobretudo no Rio Grande do Sul. “Quando a manifestação não é organizada por empresários, ela é reprimida fortemente. Na Constituição, todos são iguais perante a lei, mas, agora, uns são mais iguais que os outros”, ironiza.
 
Sobre os diferentes tipos de propriedade, Comparato afirma que estão ignorando a Constituição e invertendo os valores, colocando a propriedade acima da vida humana. “Nem toda a propriedade é direito fundamental. Só é direito fundamental a propriedade que é vital para uma vida digna para o titular. Seria um escárnio dizer que o controle da Microsoft pelo Bill Gates, por exemplo, é um direito fundamental. Não podemos esquecer que existe na propriedade a possibilidade de se exercer poder sobre outros. Aí a propriedade deixa de ser direito fundamental e fica obrigada pela Constituição a cumprir sua função social. O fato de alguém ter 20 casas não significa que tenha direito fundamental sobre elas”, explica.
 
Preparando o terreno
 
Plínio Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária e da direção do Psol, disse ter recebido a notícia da decisão do MP gaúcho com estarrecimento. Para ele, setores conservadores preparam uma “limpeza” no campo para que o país seja o principal produtor de matérias-primas exportáveis pelo agronegócio. “Então, precisam começar a eliminar obstáculos. Indiscutivelmente, há uma escalada que visa estrangular o MST”, considera.
 
No entanto, um hipotético fim do movimento seria uma tragédia tanto para as forças de esquerda quanto para as de direita, segundo Plínio. “Para esquerda, é claro que seria ruim. Mas eu faço um alerta à direita, se o MST for criminalizado e considerado ilegal, ninguém vai segurar a violência no campo. Quem apresenta uma esperança e uma saída hoje no meio rural é o MST, ele é quem civiliza o processo, porque, na verdade, a ocupação não prejudica ninguém, porque a Justiça põe tudo no lugar ou o Incra paga um alto valor pela terra. Sem o MST, a violência seria despertada de forma perversa, por meio do narcotráfico e do banditismo rural, formas que não são sociais”, aconselha.
 
Traçando um paralelo com a dizimação das Ligas Camponesas, Plínio afirma que se a intenção dos que o fizeram era retirar a reforma agrária da ordem do dia, a ação foi em vão. “Depois da dizimação das Ligas, a bandeira da reforma ficou ainda mais forte. A ação do MP é mais grave do que a da ditadura, pois ela se dá em plena vigência de uma Constituição democrática”, nota.
 
Estrutura do MP
 
A atitude dos promotores gaúchos não passou incólume nem mesmo por colegas de profissão. Inês do Amaral Buschel, promotora de justiça aposentada e sócia-fundadora do Movimento Ministério Público Democrático, avalia que dentro da instituição há diversas reações acerca da ação dos colegas do Rio Grande do Sul.
 
“Há promotores que ficaram horrorizados com a atitude, mas também há aqueles que estão aplaudindo. Assim como na sociedade, há pessoas no MP que odeiam admitir que a propriedade tem função social. Como o MP é independente, é difícil existir unanimidade. Por isso, para mim, a unanimidade do Conselho Superior é o mais chocante”, revela.
 
A promotora explica que, por prerrogativas jurídicas, os promotores são independentes, tendo liberdade para interpretar as leis à sua maneira. Mesmo assim, a jurista afirma nunca ter se deparado com uma situação semelhante desde o estabelecimento da Constituição de 1988. “Esse tipo de ação só ocorreu na ditadura militar e no governo de Getúlio Vargas”, reforça.
 
Na análise de Buschel, a medida se baseia na “constatação” de que o MST é uma organização paramilitar, que mantém relações com as Farc, conforme a ata da reunião. “O que consta na sociedade brasileira é que o MST luta pacífica e legitimamente pela reforma agrária, sem armas de fogo. Ao contrário, o MST é vítima das armas de fogo dos latifundiários. Essa conotação que o MP dá ao MST, comparando-o com o antigo movimento comunista, é algo totalmente reacionário”, constata.
 
Ideologia de berço
 
A promotora aposentada aponta uma peculiaridade na composição do Ministério Público do Rio Grande do Sul, o que pode ser um dos fatores decisivos para a sua orientação pró-latifúndio.
 
“No geral, o MP é composto por pessoas de classe média. Mas no Rio Grande do Sul, percebe-se que há um grande número de promotores que são filhos de proprietários rurais. Assim, é natural que eles defendam o latifúndio. O cerne é que você vê o mundo conforme o seu berço. Se o pai torce por um time, ou segue uma religião, o mais provável é que o filho também o faça. Há exceções. Mas um filho de latifundiário, no geral, acha normal que seu pai tenha uma imensidão de terras”, interpreta.
 
Segundo a promotora, a configuração de uma entidade pró-latifúndio explicaria frases como a de Gilberto Thuns, relator da reunião que sugeriu a dissolução do MST. “No Rio Grande do Sul não existe terra improdutiva”, disse o promotor. “Eles dizem isso porque não querem dividir a terra”, responde a promotora.
 
“Raiva de pobre”
 
Thuns também afirmou que o MP sugerirá ao governo do Rio Grande do Sul que não negocie com o MST, pelo fato de este ser uma “organização criminosa”. Além das afirmações contundentes de Thuns, outros dois promotores se sobressaíram por suas colocações. Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biacon Júnior mencionaram que nas escolas do MST há livros do educador Paulo Freire, que comprovariam o envolvimento dos sem-terra com atividades ilegais. Ao site Viomundo, a viúva do educador, Nita Freire, se disse indignada com a situação. “A elite brasileira tem ódio dos pobres, dos negros, dos que não cheiram bem, dos que não tomam banho, dos índios, dos trabalhadores rurais. Ainda não perdemos o ranço da herança trágica do colonialismo”, disse Nita.
 
O método criado pelo marido de Nita é utilizado em diversos municípios brasileiros e goza de reconhecimento internacional. Outros pensadores também foram citados no relatório do MP, como prova da tendência à ilegalidade do MST, como o sociólogo Florestan Fernandes e pedagogo soviético Anton Makarenko.
 
Reação da sociedade
 
Após a notícia da aprovação por unanimidade do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, determinando a proibição de atividades do MST, diversas entidades da sociedade civil e partidos políticos apresentaram mensagens de solidariedade ao movimento e criticaram a atitude do MP. “Nós repudiamos a ofensa ao direito constitucional da lei de associação. Com essas atitudes extremas de impedir a locomoção e a reunião não se preserva democracia. Os anos de luta pela conquista do convívio democrático não podem ser dilapidados com essa postura do MP”, afirma Rafael Valim, conselheiro da Comissão de Justiça e Paz. Segundo ele, a entidade adotou uma posição jurídica para contrapor-se à decisão estritamente política dos promotores.
 
O PT repudiou a criminalização dos movimentos sociais, da qual afirma já ter sido vítima, e lamentou que a ação “inaceitável” de promotores gaúchos tenham dado fôlego à repressão policial sobre o MST.
 
O MST também recebeu solidariedade de artistas e intelectuais, como o uruguaio Eduardo Galeano, que enviou uma saudação aos “amigos elogiados pelo ódio dos inimigos”.
 
 
Fonte: Agência Brasil de Fato
Link: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia
Última atualização: 09/07/2008 às 14:11:00
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