Em Fortaleza, todo dia 15 de agosto ocorre uma grande festa que se tornou tradicional, a de Iemanjá. Vários adeptos da umbanda se dirigem às praias de Fortaleza para saudar essa divindade africana considerada deusa do mar. É um momento de muita riqueza cultural em que se assiste a diferentes casas, de distintas formas expressarem seu respeito e grande fé nesse orixá. Uma ocasião ímpar para os não umbandistas se despirem dos preconceitos e exercitarem o respeito a uma religião que é genuinamente brasileira.
Para os negros e afrocearenses, a tradicional festa de Iemanjá representa mais um ato de resistência e afirmação de um povo que se recusa a ser calado. Porém, neste mesmo mês, há outro acontecimento (este histórico) que mereceria uma maior atenção dos cearenses, em especial, do movimento negro: a luta dos negros jangadeiros, em 30 de agosto de 1881, para encerrar definitivamente o embarque de cativos para outras províncias.
Importante o resgate deste acontecimento pelo fato de tratar do protagonismo dos negros cearenses no combate ao comércio de cativos para outras províncias, que tinha como consequência a quebra de laços afetivos e de parentescos. O que é admirável é que tanto o episódio ocorrido em janeiro quanto o de agosto só foram possíveis com a participação dos jangadeiros – maioria de negros libertos. E à frente do movimento, duas lideranças negras: o liberto José Luiz Napoleão e Francisco José do Nascimento (futuro Dragão do Mar).
Pouco discutido, este acontecimento do dia 30 de agosto de 1881 revela um momento de grande tensão quando os jangadeiros e abolicionistas resolvem impedir que o filho do Major Facundo embarcasse duas cativas e os mesmos recebem adesão do comandante do 15º Batalhão de Infantaria.
Em contrapartida, os comerciantes traficantes, tendo apoio da Marinha e cientes da simpatia do comandante à causa abolicionista, resolvem se munir de um aparato igual, demonstrando intenções de que, se necessário, usar-se-ia de todos os meios possíveis para se garantir o tráfico: “(...) mandou-se vir uma esquadrilha da marinha de guerra para ‘proteger’ o tráfico ou... bombardear a cidade dos revoltosos...” A participação dos negros cearense nesse acontecimento foi decisiva para pôr fim ao embarque de cativos em Fortaleza.
Hilário Ferreira
hilario.ferreira@fate.edu.br
Professor e pesquisador da história e cultura negra cearense
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