Durante o governo anterior, a função fundamental do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, declarada no próprio nome, ficou no papel. Distante da tradição de promover o crescimento com inclusão social, concedeu crédito a empresas só em razão do porte e não atuou por meio de programas. O desenvolvimento requer, entretanto, fazer escolhas e eleger prioridades, segundo o atual presidente da instituição, Marco Crocco.Doutor em Economia pela Universidade de Londres e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Crocco detalha a nova estratégia do banco na entrevista a seguir.
CC: Qual é a relação do BDMG com a economia de Minas Gerais?
Marco Crocco: O estado sempre teve uma tradição forte em planejamento econômico, sobretudo nas décadas de 1960 e 1970. O BDMG surgiu em 1962, com a missão de fazer a economia, majoritariamente extrativista, dar um passo rumo à industrialização. Foi essencial para a instalação da fábrica da Fiat e na primeira operação de uma companhia mineira, a Cedro Cachoeira, no mercado de capitais. Teve um papel importante também no processo de transição da mineração para a siderurgia e a indústria mecânica.
CC: Quais as principais diferenças entre a administração atual e aquela do governo anterior?
MC: As gestões anteriores eram favoráveis a um Estado mínimo, sem papel no desenvolvimento econômico. A atuação do banco era horizontal. Para o desenvolvimento é necessário, porém, fazer escolhas, eleger prioridades, algo que a instituição não fazia. Quando qualquer empresa o procurava, era analisada simplesmente em razão de seu porte, ou seja, não havia uma atuação por meio de programas, como se fez nas primeiras três décadas da instituição. Esse formato o descaracterizava como banco de desenvolvimento. Queremos mudar essa estratégia. Criamos o lema: “Vamos recuperar o ‘D’ de Desenvolvimento do nome do banco”. Precisamos ser um banco sustentável, capaz de gerar lucro, mas não necessariamente buscar a sua maximização.
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No apoio ao aumento das vagas na educação infantil, a razão de ser da instituição (Foto: Marcelo Coelho)
CC: Quais as prioridades?
MC: Estruturamos a operação em quatro programas, de sustentabilidade e eficiência energética, desenvolvimento social e regional, inovação e desenvolvimento agrário. O último é uma novidade, pois na gestão anterior não se trabalhava com a agricultura, responsável por cerca de um terço do PIB estadual.
CC: Houve resistências?
MC: Na transição de gestão, era comum ouvir internamente referências aos “nossos concorrentes”. Um dia, eu questionei: “Quem são nossos concorrentes?” A resposta foi: “Alguns bancos privados”. É importante ressaltar que esse não é o perfil do BDMG. Nosso objetivo é atuar, sobretudo, em áreas nas quais as instituições privadas não chegam.
CC: A mudança já começou?
MC: O ano passado foi de transição e as transformações virão a partir de agora. Pela primeira vez, trabalhamos com financiamento de eficiência energética e retomamos o desenvolvimento regional. Lançamos editais para hospitais filantrópicos, oferecemos crédito especial para empresas em municípios com Índice de Desenvolvimento Humano inferior à média do estado e preparamos a divulgação de um instrumento para start-ups de universidades voltado para o incentivo da economia criativa, o setor de bens de capital e a exportação. Na educação, trabalhamos com parcerias público-privadas em 55 escolas estaduais. Temos também linhas de saneamento com recursos próprios e de terceiros.
CC: Qual é a situação dos fundos repassados ao BDMG?
MC: O banco perdeu os recursos repassados pelos fundos estaduais. Havia 5 bilhões de reais nesses fundos até cinco anos atrás, quando o estado, por uma crise fiscal profunda iniciada na gestão anterior, passou a não mais disponibilizá-los. Recebíamos o pagamento dos empréstimos e os repassávamos ao estado, mas este não autorizava nossos empréstimos. Tivemos de recorrer ao mercado e, por esse motivo, não foi mais possível manter as taxas de juros anteriores, subsidiadas.
CC: Houve redução de custos?
MC: Foram cortados de forma significativa. Teremos um aumento previsto de 8% nominais entre 2015 e 2016, para uma inflação de 10%. Haverá um ganho real de 2%.
CC: Como estão as captações?
MC: Investimos em eficiência e na captação no mercado externo, mais barata. Tomamos empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco de Desenvolvimento da América Latina e da Agência Francesa de Desenvolvimento e repassamos recursos do BNDES, com taxas e custos de captação inferiores àqueles do mercado. Para manter o nosso nível de operação, faremos uma captação de 500 milhões de reais em 2017.
CC: Qual a importância dos financiamentos aos municípios?
MC: Oferecemos acesso a financiamentos para municípios de todos os tamanhos. Perto de 70% das prefeituras atendidas têm menos de 20 mil habitantes e enfrentam dificuldades de captação no mercado financeiro. Grande parte dos recursos é empregada na construção civil, pavimentação e compra de equipamentos para as obras, com injeção direta de dinheiro na economia. A taxa de inadimplência é inferior a 1%.
CC: E o impacto do desastre da Samarco em Mariana sobre a economia de Minas Gerais?
MC: Caso não tivesse ocorrido o acidente, o PIB do estado provavelmente teria apresentado uma queda de 4,7% e não de 4,9% no acumulado do ano, como ocorreu. A indústria extrativa mineral, que fechou o exercício com um recuo de 1,1%, poderia obter resultado positivo em 1%. No último trimestre, a retração do setor atingiu 10,7%.
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Fábrica da Bioom, em Nova Lima (Foto: Marcelo Coelho)
CC: Como conciliar a atividade mineradora em grande escala e o equilíbrio ambiental?
MC: Pode ser mais caro, mas é viável. Vários países do mundo avançaram nessa direção. Em alguns casos, houve abolição da barragem de rejeitos e hoje a mineração é a seco. Em outros, quando se adotam os minerodutos ou há água utilizada na mineração, o estado transporta o rejeito de água urbano gratuitamente até a porta da mineradora, para ela tratá-la e utilizá-la em sua atividade. Isso acontece, por exemplo, no Peru.
CC: Por que políticas fiscais expansionistas continuam um tabu no País, apesar de o próprio Fundo Monetário Internacional manifestar uma maior flexibilidade sobre o assunto?
MC: Por causa da indigência intelectual da ortodoxia brasileira, com um componente ideológico marcante, fortemente ligada ao mercado financeiro e incapaz de incorporar qualquer elemento novo. Há uma desconexão da realidade. Mesmo com a economia em crise, a matriz econômica oferece um receituário dos anos 1990.
CC: Quais são as consequências econômicas das propostas do documento do PMDB, “Ponte para o Futuro”?
MC: Em 15 das suas 19 páginas, discute superávit e déficit. Que ponte para o futuro é essa? O documento é um expoente do grau de indigência intelectual. Tem apenas uma página sobre política de desenvolvimento de ciência e tecnologia. Está provado que aausteridade pela austeridade não resolve. Só é boa para o mercado financeiro. Não significa que não devamos ter responsabilidades com as contas. Mas orçamento é receita menos despesa, não adianta olhar só para a segunda. E receita se obtém com o aumento do nível de atividade.
CC: Qual a alternativa?
MC: Economia é demanda agregada. Não existe solução em achar que vamos simplesmente exportar e obter resultados. Se o mundo inteiro adotar esse mecanismo, para quem vamos exportar? Precisamos de uma estratégia que preserve a inclusão, pois assim se mantém o mercado e para isso há necessidade de uma opção baseada no investimento e não em consumo. Sem crescimento e inclusão, não há alternativa.
*Entrevista publicada originalmente na edição 897 de CartaCapital, com o título "Retorno às origens"