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Saiu na Imprensa

  04/03/2016 

Em caravana no Semiárido, agricultores discutem conflitos, resistência e agroecologia

A população do Araripe, que já tem um histórico de luta desde a época das Ligas Camponesas, hoje convive com a necessidade de resistir às grandes obras como a Transnordestina e as fábricas de gesso

Dona Dudu, seu Francisco, dona Inocência, Irenir e Isabel habitam o mesmo território na região do Araripe - localizado nas divisas dos estados do Ceará, Piauí e Permambuco -, mas possuem histórias de convivência com o local bem distintas. Testemunhas de uma realidade conflituosa e resistente no sertão pernambucano, suas experiências puderam ser conhecidas na Caravana Agroecológica e Cultural do Araripe, que aconteceu entre os dias 25 e 27 de fevereiro.
 
O povo, que já tem um histórico de luta desde a época das Ligas Camponesas, hoje convive com a necessidade de resistir às grandes obras - como a Transnordestina e as fábricas de gesso - e de lutar pelo seu pedaço de terra e modo de vida.
 
Luzinete Silva Reis, 55 anos, mora no Sítio Riacho Novo, comunidade Baixa dos Cândidos, no município de Trindade. Dona Dudu, como é conhecida na comunidade, viu sua propriedade ter momentos de melhorias mas, hoje, tem sua terra quase toda improdutiva por causa da sua vizinha, a fábrica de gesso. “Quando casei, não tinha energia elétrica e carregava água na cabeça de longe, porque não tinha água encanada e nem barreiros próximos”, conta Dona Dudu.
 
No desenho feito para ilustrar sua propriedade de 10 hectares, a imagem de como era a sua terra quando chegou ao local contrasta com o período dos anos 2000. A propriedade foi sendo beneficiada. Um barreiro foi construído e, posteriormente, a implementação das duas cisternas trouxeram melhor qualidade de vida para a sua família. Os invernos ainda vinham no tempo certo e, com água suficiente para a plantação, mamona, algodão, feijão e milho eram plantados na terra fértil.
 
Em 2000 esse cenário de avanços muda, pois chega a fábrica de gesso interrompendo a produtividade e sustentabilidade local. Luzinete juntou a comunidade para fazer um abaixo assinado para que a fábrica não fosse instalada ali. As suas vizinhas ficaram com medo de serem presas ou de não conseguirem emprego depois e, por isso, não aderiram. “Uma andorinha só não faz verão”, lamenta a senhora, relembrando uma frase clássica que demonstra a importância da mobilização.
 
A vida de Dona Dudu mudou e muito. Cerca de 50% da terra ficou improdutiva. O pó branco é levado pelo vento e toma a propriedade. A terra vai morrendo aos poucos e plantar já é muito difícil. Sem contar os problemas de saúde decorrentes do contato com o gesso.
 
O polo gesseiro do Araripe é responsável por 80% na produção de gesso do país. No município de Trindade existem uma média de 60 fábricas. Em cada uma, cerca de 12 pessoas são empregadas. Dois filhos de Luzinete trabalham em fábricas próximas dali. Eles comentam que a redução de impacto é possível, através de um sistema de exaustor para sugar o pó expelido, impedindo que ele vá para as plantações. Porém, poucos empresários se dispõem a fazer.
 
“Eu gosto da minha terra e não quero sair daqui. Mas não sei o que esperar no futuro. Se piorar, vou ter que fechar minha porta e partir”, afirma Dona Dudu, quando perguntada se venderia sua terra. Muitos dos seus vizinhos já deixaram o local.
 
Onze municípios compõem o Araripe e, juntos, somam cerca de 31 mil estabelecimentos rurais e uma população de mais de 300 mil habitantes. Apesar da realidade de dona Dudu, as mulheres tem papel decisivo nessa história. Irlânia Fernandes, coordenadora do programa Agroecologia e Convivência da Caatinga, ressalta que organizadas em grupos de mulheres, sindicatos e movimentos sociais, as mulheres do Araripe lutaram e lutam pelo fim da violência e equidade de gênero, pelo direito à terra e pela soberania alimentar. Foram elas, inclusive, que levaram muitas experiências agroecológicas para suas propriedades.
 
Terras improdutivas
 
No sítio Estaca, localizado no município de Ouricuri, Inocência Conceição, 48 anos, e seu esposo, Francisco Alírio Henrique, 52 anos; tiveram sua propriedade cortada pela obra da Ferrovia Transnordestina. A propriedade de seis hectares - na qual o casal criava 15 cabeças de gado e tinha uma roça que dava milho, feijão e macaxeira - sofreu o impacto com a chegada dos trilhos. A obra, que iniciou em 2008 na região desmatando toda área em volta, só acabou no início de 2015 e levou o sossego dos moradores do lugar.
 
A ferrovia de 1,7 milquilômetros, que vai ligar o estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, começou a ser construída em 2006 e a previsão de conclusão foi adiada para este ano. A expectativa do valor final da obra já passa do dobro do que foi estipulado incialmente.
 
“Não esperava nunca passar por esse transtorno na vida”, lamenta o agricultor. O traçado da ferrovia passou no meio do barreiro que abastecia a família. Foram dois anos de explosões de bombas, que resultaram em rachaduras na casa. Inocência relembra o período da construção:  “a casa ficava toda empoeirada e a gente comia almoço com terra”. A impossibilidade de produzir perdura até hoje.
 
Seu Francisco e dona Inocência perderam 1,2 hectares da propriedade para a obra. Agora, são três hectares de um lado e dois do outro. A indenização de pouco mais de quatro mil reais, que serviu para construir outra casa, só veio em 2013, depois do casal e das outras pessoas da comunidade entrarem com uma ação na Justiça Federal.
 
As relações sociais também foram afetadas. Para visitar a filha e o neto recém-nascido, que moram na frente da casa do casal, a cerca de 200 metros, seu Francisco anda quase 2 km, pois precisa seguir pelo caminho dos trilhos até achar uma passagem.
 
Mobilização social
 
O Sítio Santa Maria, também localizado em Ouricuri, nos dá uma mostra consistente da força da mobilização das mulheres e de como a agroecologia possibilita uma melhor convivência com a região. Inrenir de Almeida Santos, uma das fundadoras do grupo de jovens, e posteriormente do de mulheres, conta que esses grupos surgiram da necessidade de fazer algo prático para melhorar a vida local.
 
O grupo de mulheres, surgido em 2009, é composto, atualmente, por 17 ativas e teve papel decisivo na mudança da realidade da comunidade. Um exemplo dessa resistência foi a manutenção da escola das crianças que trabalha com educação contextualizada. Essa foi uma das poucas escolas rurais da região que não foi fechada. “A gente bateu o pé e não deixou que fechassem a nossa escola e levassem nossas crianças para outro lugar. A gente viu que lá não ia ser bom pra eles”, argumenta Irenir.
 
A associação das mulheres permitiu o acesso às tecnologias como bioagua, cisternas e barreiros, além de outras políticas públicas. Hoje, isso é uma realidade para as pessoas que vivem no Sítio Santa Maria. As mulheres possuem seus quintais produtivos, nos quais plantam milho, feijão, hortaliças e criam pequenos animais. A produção é vendida de porta em porta, em feiras agroecológicas de povoados próximos e gera uma renda variada, mas que garante a manutenção dos sistemas produtivos e autonomia dessas mulheres.
 
A cooperação entre elas fortalece esse sistema. Às 16h de toda quarta-feira, elas fazem um mutirão no quintal produtivo de uma das mulheres. Além disso, elas se reúnem para discutir questões de gênero, distribuição de renda, autonomia, agroecologia e outros temas.
 
A professora Izabel de Jesus Oliveira, conhecida por Bel, começou dando aulas de reforço para as crianças da Agrovila Nova Esperança, que fica em Ouricuri. Aos poucos, foi aprimorando seus conhecimentos, participando de formações e capacitações, até se tornar professora da Escola Municipal Maria do Socorro Rocha de Castro, localizada na mesma comunidade. Sua importância é incontestável e muita coisa mudou desde que ela começou a dar aulas.
 
A professora leciona para 17 crianças, entre três e dez anos de idade, e a base de suas aulas é o próprio quintal produtivo da escola, onde são cultivados um banco de sementes, um viveiro de mudas e uma mini - horta. Lições de matemática, português, geografia e história são dadas a partir do que os alunos vivenciam na sua região. É o que se chama de educação contextualizada.
 
As crianças, suas mães e pais vão aprendendo a melhor maneira de cuidar da terra e como produzir de forma sustentável. “Com as capacitações e com os intercâmbios, eu fui percebendo que é possível conviver de outra forma com a região e fui mudando a cabeça”, afirma Izabel.
 
Os aprendizados da professora logo foram se espalhando para os agricultores e agricultoras locais. Um exemplo é José Nilton, que tem um quintal produtivo de referência quando se fala de agroecologia. Ele começou a cultivá-lo em 2006, numa área de 26 x 96 metros, e afirma que consegue mais dinheiro do que tirava na sua roça de quatro hectares. No seu quintal tudo se aproveita e as duas cisternas garantem água no período de seca. O agricultor conta que não precisa mais trabalhar em terra alheira e que os benefícios são muitos. “Se não fosse o quintal, eu estaria morto”, pontua.
 
Com o objetivo de traçar algumas respostas sobre a necessidade de apoiar a agroecologia e dos impactos gerados no Semiárido brasileiro, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em parceria com a ONG Caatinga, Rede Ater Nordeste, Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), promoveu essa experiência para cerca de 120 pessoas, vindas de vários estados do nordeste, além do Distrito Federal e do Rio de Janeiro.
 
Flávia Londres, da secretaria executiva da ANA, explica que a caravana faz parte do projeto “Promovendo Agroecologia em Rede”, que conta também com uma série de estudos. “Estão sendo realizados 18 estudos, em sete territórios, de cinco regiões que compõem o Semiárido brasileiro, para produzir evidências do impacto positivo da agroecologia”, explica.
Fonte: Portal Brasil de Fato
Link: http://www.brasildefato.com.br/node/34307
Última atualização: 04/03/2016 às 12:31:07
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