Três em cada quatro pessoas que protestaram neste domingo em São Paulo (16) afirmaram ser contra o financiamento empresarial de campanhas.
Os dados são da pesquisa de opinião feita pelos professores Pablo Ortellado, da USP, Esther Solano, da Unifesp, e pela pesquisadora Lucia Nader, da ONG Open Society, com o público presente na manifestação. No total, 405 pessoas foram entrevistadas na Avenida Paulista.
Ortellado avalia que a posição dos que estavam nas ruas em relação à pautas sociais se diferencia muito do posicionamento que os movimentos organizadores dos protestos tem, e muitas vezes se assemelham às demandas dos atos de junho de 2013.
"A pesquisa mostra principalmente que uma coisa é o que as lideranças falam nos carros de som, outra, diferente, é o que o público que foi para a rua acredita", avalia Ortellado.
Entre os manifestantes, 97% concordam total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais e 96% que devem ser gratuitos. Já 98% concordam total ou parcialmente com a universalidade da educação pública e 97% com a sua gratuidade. Até mesmo uma demanda social recente e algo heterodoxa como a gratuidade do transporte coletivo - a “tarifa zero” - encontra 49% de apoio total ou parcial entre os manifestantes.
Ao mesmo tempo, os manifestantes tem ideias conservadores em temas que envolvem relações entre as classes sociais. 70% concorda total ou parcialmente que “é justo que quem estudou e se esforçou mais na vida tenha alguns privilégios”; 86% concorda total ou parcialmente que “a melhor maneira de conseguir paz na sociedade é aumentando a punição aos criminosos” e 80% concorda total ou parcialmente que “negros não devem usar a cor da pele para conseguir privilégios como cotas raciais”.
“O que acontece é que esses grupos de direita tentam se apropriar do espírito de junho, tentando convertê-lo inclusive no seu oposto, com uma agenda de estado mínimo”, afirma o pesquisador.
Confira abaixo a entrevista de Pablo Ortellado ao Brasil de Fato:
Brasil de Fato - Você afirma que existe um paradoxo no que pensam os manifestante: eles querem garantias de direitos estatais, mas, ao mesmo tempo, 94% dos entrevistados querem redução dos impostos. Como explicar isso?
Pablo Ortellado - O que explica um pouco essa questão é um certo desacordo entre a população mobilizada e dos organizadores. Se pegarmos o discurso do MBL, Vem Pra Rua, eles têm um discurso liberal, ultraliberal, de redução do Estado e privatizações.
Quando entrevistamos os manifestantes, esse discurso não encontra eco. A postura dos manifestantes em relação a direitos sociais é relativamente progressista. Eles defendem a universalidade e gratuidade da saúde, educação, e até mesmo nos transportes, a pauta da tarifa zero encontra um apoio de metade dos manifestantes.
O que aconteceu é que a insatisfação que temos visto aumentar no país por conta da crise política e econômica não conseguiu ser canalizada pela esquerda, até porque a esquerda institucional está no poder e é atribuída a ela a culpa dos problemas.
E quem conseguiu canalizar essa insatisfação foi a direita, que está puxando essa indignação para o seu lado, e jogou nos manifestantes a crítica da carga tributária excessiva. E isso gera esse paradoxo.
Você diz que as pautas de junho de 2013 estão presentes nesse protesto, mas a classe social e grupos que organizam o ato são diferentes. O que muda com essa composição?
As pessoas que protestam agora não são as mesmas de 2013 – 48% dos entrevistados ganham mais de R$ 7880. A composição social é bem diferente, e quem lidera também é muito diferente.
As pessoas que estão protestando na rua não estão protestando por mais saúde ou educação, estão protestando contra o governo Dilma. Mas quando perguntamos a elas sobre direitos sociais, elas tem uma posição favorável aos direitos sociais, o que está em desacordo com os grupos que chamam os atos.
Esse desacordo entre o discurso dos manifestantes e dos organizadores também se estende para a política. Os organizadores anunciaram que a estratégia deles era um discurso seletivo, ou seja, iam focar em Dilma e nos escândalos do PT por um lado, e silenciar sobre outras figuras que poderiam ser úteis num processo de impeachment, como por exemplo Eduardo Cunha. Mas quando falamos com as pessoas, elas veem o Cunha como um grande corrupto, que não merece confiança.
A indignação contra a representação institucional, vista em 2013 está presente ainda, mas é a mesma de 2013?
Minha hipótese é que aquela indignação que despertou em junho tem dois componentes. É uma crítica do sistema de representação e uma afirmação de uma agenda de direitos sociais. Essa indignação de junho ficou órfã, porque não houve grupos de esquerda capazes de assumir isso e dar expressão política a essa indignação.
Esse era o conteúdo reinvindicatório de junho, e esse mesmo conteúdo, surpreendentemente coincide quando apresentamos ele para as pessoas que protestam contra o governo federal.
Essa orfandade de 2013 permitiu que grupos de direita se apropriassem do espírito de junho, tentando convertê-lo inclusive no seu oposto, com uma agenda de estado mínimo.
Mas em questão de conteúdo político e demandas do que essas pessoas consideram relevante para o país, o conteúdo não é tão diferente, e eu acho que isso é bastante surpreendente. Porque o debate político entre governo e oposição sugere uma polarização das visões, e nossa pesquisa vê uma área cinzenta em relação aos manifestantes.
Segundo a pesquisa, apesar de se colocarem a favor da saúde universal e do transporte coletivo, os manifestantes são contra o programa Mais Médicos e a pauta da Tarifa Zero não é tão aceita. Por que as propostas concretas, que existem para melhorar esses direitos que os manifestantes acham importantes, são rejeitadas por eles?
Isso é a contaminação dessa polarização política. Qualquer iniciativa que vem do PT é rejeitada por quem protesta. O Mais Médicos é um programa muito bem avaliado e que busca melhorar a qualidade dos serviços de saúde, mas ele é rejeitado porque é uma iniciativa do PT. É uma espécie de implicância política.
Outra coisa que me surpreendeu foi o índice de pessoas que atribuem corrupção ao Haddad, que é um político que nunca esteve envolvido num escândalo de corrupção, mas pelo fato de ser do PT ele é “contaminado”.
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