O economista Frederico Melo, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, conversa com o Brasil de Fato MG para explicar o que é e sobre quem está recaindo o ajuste fiscal implantado pelo governo federal, desde o início de 2015.
O entrevistado fala de alternativas que poderiam ter sido adotadas pelo governo, como o imposto sobre grandes fortunas e aplicação financeira. Uma proposta que dividiria a “conta da crise” entre ricos e pobres. Na sua avaliação, atualmente apenas a população pobre está pagando pelos problemas econômicos.
Frederico é também técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), na sessão da Central Única dos Trabalhadores MG.
Brasil de Fato - O que é um ajuste fiscal?
Frederico Melo - É quando o setor público, o Estado, resolve reequilibrar as suas contas. Então, ele pode mexer em dois lados: nas receitas e nas despesas. Normalmente o que se espera é que, quando se fala em ajuste fiscal, sejam reduzidos os gastos e se aumente a arrecadação.
No caso do Brasil, qual o é tipo de ajuste fiscal que está sendo levado a cabo?
É um ajuste de redução de gastos e de elevação de receitas. Mas o que caracteriza esse ajuste é a redução de custos com a população mais pobre. Por exemplo, o Estado brasileiro diminuiu o que ele gasta com seguro-desemprego, com abono do PIS, com pensões, gastos que normalmente vão para a população mais carente. Foi um ajuste fiscal em que boa parte da mudança recaiu sobre a população brasileira. Além dessas mudanças, o governo fez também uma coisa chamada ‘contingenciamento do orçamento’. Como se ele congelasse o que estava previsto para gastar, para fazer uma reserva. Ele fez isso com as verbas da educação. Então boa parte do que estava previsto para ser aplicado no FIES, no Pronatec, nas universidades, simplesmente não foi.
Você diz que os mais pobres estão sendo atingidos. Então, quem não está sendo atingido?
Esse é um problema sério do ajuste promovido pelo governo. Porque, eventualmente, uma ou outra mudança poderia também recair sobre a população, mas o governo não fez qualquer proposta de alterar a tributação, ou seja, a receita, aquilo os ricos pagam para o Estado brasileiro. Não alterou, por exemplo, o imposto sobre aplicação financeira – e quem tem aplicação financeira normalmente é gente rica-, não mexeu no tributo sobre herança – e quem tem herança grande são ricos-, não criou o imposto que está na Constituição desde 1988, que é o imposto sobre grandes fortunas, não mudou a forma de renda dos ricos, que é a distribuição de lucros das empresas para seus acionistas. Então, na verdade, o governo diminuiu o gasto com política pública e não tomou nenhuma medida que alterasse a contribuição dos mais ricos com o ajuste fiscal.
Se o governo fizesse esse outro tipo de ajuste seria possível economizar a mesma quantia que está sendo economizada hoje?
Provavelmente sim. Teria que ver os dados mais a fundo, qual a possibilidade de fixar a taxação, a tributação. Mas no mínimo ele reduziria bastante o impacto sobre as políticas públicas.
Quais são as expectativas da economia desse cenário?
A aposta que o governo está fazendo é de fazer um ajuste duro e curto. Ou seja, combinar ajuste fiscal e elevação da taxa de juros, na esperança de que a economia se contraia agora e no ano que vem volte crescer. Mas essa aposta é arriscada. Do ponto de vista econômico, o ajuste causou uma recessão, reduziu as receitas do Estado. O governo fez um ajuste para melhorar a sua situação, mas na verdade está reduzindo a receita porque a economia desacelerou, algumas empresas começaram a demitir, estão vendendo menos, etc. Ele não teve sucesso pleno.
E qual a situação da política nessa situação?
Esse ajuste tem uma inconsistência, uma fragilidade política. Boa parte do ajuste recai sobre a população, principalmente a parcela que elegeu este governo. Isso faz com que o atual governo eventualmente perca a base de apoio social e possa inviabilizar sua continuidade.
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