Está anunciado para os próximos dias mais um retrocesso na legislação brasileira no que diz respeito às vidas das comunidades tradicionais e à manutenção dos territórios protegidos. Deputados ligados às grandes mineradoras articulam um golpe para aprovar a qualquer custo o novo Marco da Mineração (PL 5.807/2013 e apensados).
Se aprovado, o projeto pode paralisar a criação de unidades de conservação e demarcação de terras indígenas, de áreas quilombolas e de assentamentos. É mais uma proposta do conjunto de ameaças aos direitos dos povos e à proteção da biodiversidade – como a PEC 215/2000.
Nesta semana, enquanto trabalhadores, representantes de movimentos sociais e entidades em defesa dos atingidos e comunidades participavam do Seminário sobre o Marco Regulatório da Mineração, realizado pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o presidente e relator da Comissão Especial que analisa o tema, Gabriel Guimarães (PT-MG) e Leonardo Quintão (PMDB-MG), articularam às escondidas uma tentativa de votação do projeto de lei.
Sem nenhum aviso prévio, foi convocada para terça-feira (5) uma reunião da comissão especial – com o intuito de aprovar o substitutivo de Quintão. Mas, ao ser informado sobre a movimentação dos participantes do Seminário, o deputado Gabriel Guimarães decidiu cancelar a reunião.
Membros do Comitê Em Defesa dos Territórios Frente a Mineração repudiam a tentativa de votação do substitutivo desta forma antidemocrática. Eles denunciam que o setor produtivo ligado às mineradoras teve um espaço ampliado na discussão da nova legislação, enquanto trabalhadores, comunidades e ambientalistas quase não foram ouvidos no debate.
O PL 5.807/2013, do governo, veio para substituir o atual Código da Mineração que é regulamentado pelo Decreto-Lei 227/67, publicado durante o regime militar. O novo texto não apresenta nenhuma medida com relação às questões de saúde e segurança dos trabalhadores nas minas e muito menos aos enormes impactos socioambientais causados pelas empresas.
Na avaliação do especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, Aldem Bourscheit, a proposta de novo código da mineração que tramita no parlamento é fruto de mais um processo político precário, no qual o governo alijou do debate a sociedade civil, os atingidos pela mineração e pequenas empresas do setor. “Apenas as grandes mineradoras discutiram a portas fechadas o texto enviado à Câmara em regime de urgência pelo governo, em junho de 2013”, destaca o especialista.
O relatório de Leonardo Quintão, apresentado na legislatura passada, é ainda mais questionável. O deputado Quintão foi reconduzido ao posto de relator, e já anunciou que espera votar a matéria até o final deste mês. O seu texto mantém dispositivos da proposta original encaminhada pelo Executivo, como a criação da ANM, em substituição ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
“O resultado, até agora, é uma proposta ainda mais retrógrada em alguns pontos que o atual Código da Mineração, pois atende exclusivamente o setor privado”, ressalta Aldem Bourscheit. Para o especialista, o Brasil perde uma grande oportunidade de ter uma legislação que proporcione o aproveitamento equilibrado de seus recursos naturais e a manutenção de seu patrimônio humano e ambiental.
Conforme análise do professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Santos, o substitutivo de Quintão é ainda pior que o texto original do governo. “Em geral, é um código muito anelado aos interesses das mineradoras. E, de qualquer forma, os interesses ambientais e sociais não estão representados ou está muito pouco apresentado em todos os documentos”, afirma o pesquisador.
Segundo Santos, que é doutor em Sociologia pela UFRJ, o cenário atual ainda é mais preocupante devido à nova composição da Comissão Especial. “Estamos com uma perspectiva de votação muito em breve e a Comissão de Mineração Especial mudou para pior. É um momento defensivo”.
No entanto, o professor considera extremamente positivo o fato de que os trabalhadores das mineradoras estarem agora no mesmo lado dos movimentos sociais. “Estamos conseguindo construir um diálogo com eles. E a nossa estratégia é criar uma pressão pública para adiar a votação com o apoio dos trabalhadores e da sociedade civil”.
Em 2013, mais de oitenta organizações da sociedade civil, movimentos sociais, partidos e parlamentares, assinaram uma nota pública contra a apresentação em regime de urgência constitucional, por parte do governo. O texto denuncia a ausência de transparência e debate com a sociedade sobre o tema. Após pressão dos movimentos, o Planalto retirou a urgência do projeto.
Perfil da mineração X financiamento A grande maioria dos políticos envolvidos nos debates relativos à mineração obteve financiamentos das corporações minerárias. É o caso do presidente da Comissão Especial que analisa o novo Código da Mineração. O deputado Gabriel Guimarães (PT-MG) teve sua campanha financiada por empresas do setor mineral como: Gerdau Comercial de Aços S/A, Concretos Rolim Ltda., Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração e Rima Industrial S/A. A receita total declarada foi de cerca de R$ 3 milhões.
Leonardo Quintão, relator na Comissão Especial, teve sua campanha financiada por empresas do setor mineral como a Arcelor Mittal Inox Brasil, Ecosteel Indústria de Beneficiamento Ltda, Gerdau Comercial de Aços S/A, LGA Mineração e Siderurgia Ltda e Usiminas Mecânica S/A. A receita total declarada foi de cerca de R$ 2 milhões com quase 20% doado pelo setor mineral.
Por ter recebido doações de mineradoras, Quintão foi acusado por quebra de decoro parlamentar por organizações de defesa de territórios contra a mineração. A representação elaborada por advogados dos movimentos e do Instituto Socioambiental (ISA), em maio de 2014, afirma que o deputado não poderia ser relator do Marco Regulatório da Mineração, pois teve sua campanha eleitoral financiada por empresas de mineração. No entanto, o processo foi arquivado.
Nesta nova legislatura estima-se que 89 deputados (de quase todos os partidos) receberam altas doações de empresas mineradoras, um aumento considerável em comparação ao ano de 2010. O que significa que faz parte do lobby a aprovação às pressas do novo Código da Mineração.
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