A restauração do capitalismo em Cuba, ocorrida entre os anos 70-90, entre outras aberrações, está mostrando como as grandes conquistas da revolução de 1959, que derrubou o governo burguês, rompeu os laços de dependência com o imperialismo, expropriou a burguesia e colocou o povo cubano em melhores condições de vida, foram adulteradas até se transformarem em seu contrário.
O programa Mais Médicos, do governo Dilma, expôs aos olhos do mundo uma realidade absurda e aviltante que existe em Cuba. Os médicos cubanos se transformaram numa fonte de renda para o governo, que pratica trabalho semi-escravo com a exportação de homens e mulheres, tratados como mercadorias num negócio sujo com outros governos que apóiam Fidel e fazem desse negócio uma forma de enviar divisas.
Prevenir para não remediar
Após a revolução de 1959, houve uma debandada de profissionais técnicos, que fugiram de Cuba para não colaborar com a Revolução. Metade dos médicos de Cuba, um setor privilegiado da população, fugiu do país; sobraram apenas 3 mil e 14 professores de Medicina. Além de deixar a população desassistida, essa crise colocou a ilha na iminência de ficar sem o ensino de Medicina.
Na sua primeira etapa, a Revolução deveria suprir essa fuga, massificando os programas educativos e de qualificação profissional. Devia ser capaz de garantir moradia, alimentação e vestuário para todo o povo, que estava na mais completa miséria e cheio de enfermidades, já que a ditadura de Batista não garantia as mínimas condições de vida aos trabalhadores e à população pobre. Por isso, além da alimentação adequada, era preciso garantir assistência médica e educação de forma gratuita para todos. Foi o cumprimento desse programa, dentro de uma economia planificada, que permitiu a Cuba dar um salto inimaginável em sua economia e na qualidade de vida da população.
A classe trabalhadora cubana, sobretudo os operários dos engenhos açucareiros e aqueles que trabalhavam nas minas, jogaram todo o seu empenho em levar adiante essas medidas. Esse gesto fez com que Che Guevara, um dos líderes da Revolução de 59, e que acabava de assumir o Ministério da Economia em Cuba, desse uma atenção especial a esses setores. O Che era médico e sofria de asma, a mesma doença que vinha ceifando a vida dos trabalhadores nas minas, operários em péssimas condições de trabalho, onde imperavam sobretudo as doenças pulmonares, produzidas pelo silício e outras substâncias. Para solucionar o problema, o Che criou e implantou um sistema de saúde comunitária, abrindo as portas das escolas para todos aqueles que quisessem estudar Medicina e ampliando a rede de hospitais públicos, bem equipados e nos quais a população tinha assistência gratuita e de boa qualidade. Ao mesmo tempo, a nacionalização dos laboratórios farmacêuticos, foi possível desenvolver a pesquisa médica, inclusive a partir de plantas medicinais, o que levou Cuba a se transformar num dos países do mundo mais avançados no terreno da farmacologia, na descoberta de vacinas e outros medicamentos inéditos no mundo da ciência.
O programa implantado pelo Che foi o da medicina preventiva, mais conhecido como Medicina de Família e Comunidade.É uma especialidade médica caracterizada pela atenção integral à saúde e por levar em consideração a inserção do paciente na família e na comunidade. O médico de família e comunidade é, por excelência, um médico de atenção primária à saúde, deve ter um vínculo com seus pacientes antes mesmo deles adoecerem, e quando esses sentirem algo deve ser o primeiro médico a ser consultado. Dessa forma, os médicos estão em uma posição privilegiada para fazer o que chamam de prmoção de saúde, prevenção de doenças, diagnóstico precoce e tratamento de doenças que façam parte de sua capacidade clínica. Nessa especialidade não existe dicotomia entre prevenção e cura. A visita domiciliar é prática constante, mas as consultas são realizadas de preferência no consultório médico, a não ser quando o paciente esteja de cama. Outro recurso importante é o conhecimento da comunidade em que paciente habita, o que engloba desde infra-estrutura até costumes e valores culturais.
O médico de família e comunidade atende a pessoas de todas as idades e ambos os sexos, de maneira continuada e integral, e trabalha em equipe interdisciplinar. Segundo a literatura mundial este profissional é resolutivo em 80 a 90% das questões que demandam assistência `a saúde. Esta especialidade resgata a relação médico-paciente prejudicada pela grande fragmentação decorrente da ultra-especialização da medicina. Esse tipo de medicina foi implantado na Rússia depois da Revolução de Outubro e serviu como modelo para outras revoluções, como Cuba e China. É mais barato que a medicina tradicional, porque previne o aparecimento das doenças e ao ser um atendimento continuado, evita o agravamento do paciente, evitando as cirurgias e os exames sofisticados.
Esse programa serviu de incentivo para que milhares de novos médicos cubanos voltaram a se formar e manter um bom atendimento à população cubana. Também fez parte da política do governo cubano colaborar nas missões humanitárias. Num desses momentos, os médicos cubanos salvaram 600 mil africanos da cegueira; quando ocorreu o terremoto no Haiti, acorreram para salvar os feridos, salvando centenas de vítimas com sua habilidade e destreza.
Esse programa implantado por Che Guevara no calor da Revolução e ao qual milhares de médicos burgueses deram as costas, colocou Cuba em um patamar muito mais alto que todas as potências capitalistas juntas. Cuba passou a ter os melhores índices de saúde do mundo, superiores aos países imperialistas, como Estados Unidos e toda a Europa. Isso levou a Organização Mundial de Saúde a considerar o sistema cubano um modelo a ser seguido por todos os países do mundo.
Economia planificada permitiu essa conquista
O que permitiu a Cuba resolver o problema da saúde pública, que nos países capitalistas parece um problema insolúvel, foi a planificação da economia, que começou a ser posta em prática depois da Revolução de 1959. Essa planificação se assentava em três pilares econômicos. Em primeiro lugar, a maior parte dos meios de produção foi estatizada, ou seja, passou a ser propriedade do Estado. Em segundo lugar, a quantidade e qualidade do que se produzia não eram determinadas pelas leis do mercado, e sim por um plano econômico central, ao qual todas as empresas estavam subordinadas. Em terceiro lugar, todo o comércio exterior, tudo o que o país comprava e vendia estava monopolizado pelo Estado. (ver Hernández, O Veredicto da História, Sunderman, p. 185)
No terreno da saúde, isso significou dar prioridade às necessidades mais urgentes da população: o incentivo às faculdades de medicina, tornadas gratuitas para que todos os jovens afluíssem a elas sem qualquer tipo de entrave. Significou a nacionalização dos laboratórios farmacêuticos para a produção em massa de medicamentos, entregues gratuitamente aos mais necessitados. E a prioridade foi dada à Medicina Preventiva e Comunitária, como já dissemos acima, com um plano que envolvia saneamento básico, para prevenir epidemias e evitar o surgimento de doenças ou o seu agravamento. Envolvia também outra coisa muito importante: o médico vivendo dentro das comunidades; isso permitia a ele conhecer os seus pacientes, seu modo de vida e assim poder controlar melhor sua saúde. Com essas medidas simples, a Medicina de Cuba passou a ser um exemplo para o mundo.
Restauração do capitalismo não conseguiu destruir tudo
O governo cubano, com a restauração do capitalismo, destruiu praticamente todos os avanços feitos pela Revolução, que haviam tirado a ilha do pântano em que se afundava com o governo Batista e a dependência do imperialismo. Mas essa grande conquista que foi a medicina preventiva e comunitária foi tão forte que a ditadura de Fidel Casto não conseguiu destruir totalmente. Está bem combalida, com os médicos transformados em mão de obra escrava, e deixando o povo cubano, que já vive à míngua, sem aquela saúde pública de qualidade que gozou nos primeiros tempos da Revolução.
A restauração do capitalismo concretizou-se na derrubada dos três pilares econômicos que citamos acima. No final da década de 1970 começaram a ser feitas concessões ao capitalismo, mas foi em 1990 que isso de um salto qualitativo. Em pouco tempo o governo acabou com o monopólio do comércio exterior por parte do Estado, e a economia deixou de ser planificada centralmente. A anarquia econômica que caracteriza o sistema capitalista, onde o mercado é quem dá as cartas, onde cada empresa e cada setor defende seus interesses próprios, preocupados apenas em aumentar seus lucros e não no bem-estar da população, voltou a empurrar Cuba para o pântano que vivia no período anterior à revolução. Hoje, quem passeia por Havana, a linda capital da Ilha, se espanta com a aparência das casas, caindo aos pedaços, as ruas cobertas de lixo, o mau cheiro de urina e fezes por todo canto, mendigos pedindo esmolas em cada esquina, crianças sujas soltas pelas ruas, ao Deus dará, jovens de ambos os sexos se prostituindo nos bares e nas praças, os armazéns do governo às moscas, policiais por todos os lados, vigiando, estudantes em pânico e muita, muita propaganda do “socialismo” em todos os muros. O contraste é brutal com os imponentes hotéis para os ricos, os bairros nobres repletos de mansões, limpíssimos, sem um pedacinho de papel jogado na rua.
Convenhamos que, numa situação como essa, é quase impossível manter a saúde da população.
Preconceito e baixos salários
E Cuba passou a vender serviços profissionais, sobretudo médicos, para outros países. Venezuela, Brasil e outros 50 países da América Latina, África e Oriente Médio importam médicos cubanos, o que constitui a primeira fonte de ingressos da ilha. Este ano, essa exportação deve render ao país 8,2 bilhões de dólares. No geral, os profissionais exportados para os demais países recebem salários que variam de 200 a 1000 dólares por mês. Grande parte desse dinheiro é enviado diretamente ao governo cubano, que fica retido até que os médicos retornem ao país. Dessa forma, ficam reféns pelo governo cubano, que os obriga a voltar a Cuba quando vencido o contrato com o país estrangeiro.
Mas além do salário dos médicos, os governos pagam um valor bem maior ao governo cubano. No caso do Brasil, o governo paga para Cuba R$ 10457,49, que encaminha apenas R$ 3000,00 (1240 dólares, pois houve um aumento) aos médicos. Isto é, o governo cubano fica com cerca de R$ 7 mil da "bolsa" paga pelo governo brasileiro aos médicos, sendo que médicos de outros países incluídos no programa recebem a bolsa integralmente.
Essa prática de “exportar profissionais” começou em Cuba em 1963. Desde então cerca de 132 mil médicos e paramédicos cubanos já cumpriram missões no exterior, um serviço que constitui atualmente a principal fonte de ingressos da ilha. Segundo a diretora da companhia Serviços Médicos Cubanos S.A., Yilian Jiménez, ao jornal oficial Granma, "desde que, em 1963, partiu para a Argélia a primeira brigada médica cubana em missão internacionalista, e 131.933 profissionais da saúde colaboraram com outras nações". Atualmente permanecem prestando esses serviços mais de 50 mil trabalhadores, dos quais cerca de 25 mil são médicos.
Jiménez afirmou que a exportação de serviços médicos não afeta a cobertura da saúde na ilha, cuja taxa de médicos por habitante "é comparável a de países de primeiro mundo". Mas a população cubana vem protestando contra a exportação de médicos porque a saúde pública gratuita piorou muito. Mas o Ministério da Saúde se defende, com números, dizendo que Cuba possui 76.836 médicos, 14.964 dentistas e 88.364 enfermeiras para uma população de 11,1 milhões de habitantes. Mas ela esquece de dizer que os médicos cubanos recebem apenas cerca de 30 dólares por mês em Cuba.
Brasil: doenças e anarquia
Dilma defende o capitalismo, mas não hesitou em aproveitar-se dos médicos cubanos, uma conquista da revolução cubana para tapar os buracos que a anarquia de nossa economia deixa por todos os lados. No Brasil, a falta de médicos é crônica e a saúde pública um desastre total. Porque as faculdades de medicina são privadas e caríssimas, porque a indústria farmacêutica é monopólica, porque os hospitais bons são privados. O que impera aqui é a medicina privada e os planos de saúde exorbitantes, cujo único objetivo é o lucro.
Não há qualquer tipo de planificação numa área tão vital quanto a da saúde pública. Nos hospitais públicos faltam leitos, faltam médicos, faltam enfermeiros, falta até esparadrapo! Os pacientes são atendidos no chão, na rua, nos corredores. Os poucos funcionários se cansam de protestar, mas absolutamente nada é feito. Não há equipamentos para exames, como mamógrafos, por exemplo, num país em que o câncer de mama é a mais mortal das doenças. Enquanto isso, a TV mostra propagandas de hospitais sofisticados, com tudo o que há de mais avançado na medicina mundial. Mas só para os ricos.
Os médicos que trabalham na medicina privada são uma elite; os demais, se matam como escravos, em plantões estafantes e péssimas condições de trabalho. Em meio a esse caos, Dilma teve a brilhante idéia de criar o Mais Médicos, um programa paliativo, que tapa o sol com a peneira.
Uma parte da classe médica brasileira repudiou o programa, alegando que os médicos cubanos iriam ocupar os postos de trabalho. Muitos médicos cubanos foram recebidos com vaias e muitas manifestações de preconceito. Mas eles são tão explorados como os nossos médicos que não fazem parte da elite.
Se o governo brasileiro tem capital suficiente para pagar 7 mil por médico e se são 11400 médicos, isso dá um total de R$ 80 milhões por mês que o Brasil repassa a Cuba. No ano isso dá quase 958 milhões de reais (quase 1 bilhão) repassados ao governo cubano às custas do trabalho dos médicos aqui. Esse dinheiro já deveria estar sendo empregado na formação de médicos brasileiros e na melhoria da saúde pública.
O que o Brasil precisa urgente, é que o governo nacionalize já todas as faculdades de medicina e enfermagem; acabe com o vestibular faraônico, que impede que os alunos de escola pública, a imensa maioria dos estudantes, ingresse nessas faculdades. Implante a gratuidade do ensino, tanto em relação a mensalidades quanto à cessão de livros e materiais de estudo. Nacionalize imediatamente a indústria farmacêutica, para a produção em massa de medicamentos, distribuídos gratuitamente a toda a população. Isso pode parecer impossível, mas já foi feito no Brasil, no governo de FHC, com a quebra de patentes e produção de remédios contra a Aids, que foi um sucesso e um exemplo para o mundo inteiro. Por que não fazer o mesmo com os remédios para câncer e outras doenças que nos atingem? Outra medida fundamental é acabar com todos os planos de saúde privados, que são verdadeiras máfias e máquinas de ganhar dinheiro às custas da saúde da população, e tornar toda a medicina pública, gratuita e de boa qualidade. Para isso, o governo deveria contar com o aconselhamento de programas que deram certo, como o de Cuba, por exemplo.
Para isso, o governo tem de romper com o grande capital e as multinacionais que controlam a saúde pública e fazem dela um grande negócio. É mais uma luta do conjunto da classe trabalhadora, uma luta necessária e urgente, para que ninguém mais tenha de dar a luz no corredor de um hospital.
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