Fale Conosco       Acesse seu E-mail
 
Versão para impressão Diminuir tamanho das letras Voltar Página inicial Aumentar tamanho das letras


03/10/2017

Nossa Voz - “Desenvolvimento Regional, Prioridade Nacional”

Uma conversa com os convidados do Seminário

Entrevista com Augusto Vasconcelos - Presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia 

Na sua fala você citou países como Malásia, Taiwan e outros que através de um plano Regional conseguiram promover transformações econômicas. O Brasil e o Nordeste na sua visão também possuem esse potencial?
 
Todos os países de industrialização tardia tiveram um papel predominante do Estado nacional, seja na concessão e na oferta de crédito seja na indução do desenvolvimento. É ilusão achar que o mercado sozinho sem qualquer espécie de indução por parte do Estado irá promover mecanismos de fortalecimento ao desenvolvimento e à industrialização. Por isso eu considero fundamental que tenhamos estruturas públicas como o Banco do Nordeste, a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES, o Banco da Amazônia para fomentar o crescimento econômico, atuar de maneira anticíclica no momento da crise econômica, para atuarem aumentando a oferta de crédito, os investimentos, exatamente na contramão do que quer o mercado, justamente para diminuir o impacto dessas crises. E evidente que os Brics dão uma grande exemplo pra nós, todos os países, Rússia, Índia, China e África do Sul tiveram papel preponderante dos bancos públicos. Não é à toa que os neoliberais, aqueles que defendem a tese do “Deus Mercado” atacam sistematicamente as estruturas públicas, porque elas são muitas vezes inimigos do mercado financeiro na medida em que vão na contramão dos interesses deles, por isso agora eles estão atacando o Banco do Nordeste, a Caixa, o Banco do Brasil, estão atacando o BNDES e a gente precisa resistir.
 
Você citou o exemplo da China, onde o oeste do país vivia uma situação de subdesenvolvimento e conseguiu através de políticas regionais transformar sua realidade. Precisamos trazer ao Brasil esse tipo de exemplo?
 
Todos os países que passaram por assimetrias regionais identificaram que essas assimetrias não prejudicam apenas a região, prejudicam o país como um todo, porque você primeiro diminui o mercado consumidor, você dificulta o escoamento da produção e você, em certa medida, perde a possibilidade de alcançar um público muito maior para os produtos da agricultura e da indústria. Então desenvolver regionalmente ajuda o desenvolvimento nacional. É a chave que a China encontrou através de grandes financiamentos, empréstimos bancários, financiamento à indústria, instalação de cadeias produtivas em regiões que historicamente eram menos desenvolvidas e até mesmo a transformação da agricultura meramente de exportação e do extrativismo para ser uma agricultura com potencial industrial. Tudo isso promoveu a transformação dessas regiões menos desenvolvidas. Acho que o Brasil tem muito a aprender com a China, porque a China tem 149 conglomerados estatais que acabam orientando a economia sem uma decisão que proíbe o investimento privado, mas que com uma indução de crescimento ela vai criando nichos de desenvolvimento que se espalham por todas as regiões e isso foi fundamental para a China chegar a essa potência que é hoje.
 
Segundo sua fala o Brasil possui uma “bigorna” em sua economia. Quais seriam esses entraves?
 
O Brasil está amaldiçoado por um tripé macroeconômico perverso instituído por uma lógica que visa tirar dinheiro da maioria do povo, através dos tributos, e transferir esse dinheiro para bancos que controlam a dívida pública. Esse mecanismo é feito através desse tripé que é defendido o tempo inteiro por grandes emissoras de TV. A Rede Globo, por exemplo, todos os dias faz uma defesa sistemática dessas agências de classificação de risco cujo objetivo é dizer “olha Brasil, você vai ter que fazer economia para sobrar dinheiro e pagar a dívida pública”. O que eles querem fazer é exatamente isso, transferir dinheiro dos mais pobres para os mais ricos da economia especialmente os Bancos. O tripé macroeconômico perverso se constitui de uma política cambial pouco competitiva, onde a nossa moeda acaba se valorizando muito em frente ao dólar, fazendo com que o nosso produto fique muito caro para exportação.
 
O segundo aspecto é uma política fiscal de “ajuste a qualquer custo”, só que esse ajuste não corta da principal sangria do orçamento público, que são os juros da dívida. Engraçado que eles aprovaram agora a Emenda 95 que na prática retira dinheiro dos investimentos sociais pra sobrar dinheiro pra pagar as contas com os Bancos. Então não tem economia nenhuma, é mentira o ajuste que estão fazendo, o que eles querem fazer com a Reforma da Previdência, com o congelamento de investimentos sociais é simplesmente diminuir os custos do estado para sobrar dinheiro para o mercado financeiro.
 
E o terceiro aspecto do tripé é uma tentativa de reduzir uma inflação através da taxa de juros. Isso é um absurdo, porque eles querem reduzir a inflação diminuindo o consumo, diminuindo o crédito, então aumenta a taxa de juros para a população não ter mais acesso ao crédito e consequentemente diminuir o consumo dos produtos e diminuir a inflação. Isso é de uma tremenda estupidez. Isso é uma visão primária da economia. Você vai destruir a economia pra não ter inflação. O combate à inflação pode ser feito de outras maneiras. Veja que boa parte da inflação brasileira é de preços administrados, preços do próprio estado. A inflação também tem a ver com o custo da produção brasileira: custo de logística, custo de uma carga tributária que é regressiva, então ela atinge quem está produzindo e consumindo. Você tem que mudar a carga tributária brasileira para atingir altas rendas e taxar altos lucros e não taxar o produto que está sendo fabricado, nem taxar os empregos, como acontece hoje. Por isso a gente acha que existem alternativas melhores para combater a inflação do que essa estupidez que é usar a taxa de juros pra diminuir consumo e consequentemente diminuir a demanda por produtos e assim derrubar a inflação. Isso sabota a economia brasileira.
 
Como você avalia essa reestruturação do BNB, inclusive com a redução de agências?
 
Essa reestruturação é parte da estratégia de desmonte dos bancos públicos. Já foi iniciada no Banco do Brasil e na Caixa Econômica, chega agora no BNB, implicando em fechamento de agência, diminuição de comissionamento, prejudicando a carreira dos funcionários, mas prejudicando, sobretudo, a população que depende dos serviços do BNB, que realiza atividades fundamentais que bancos privados não querem realizar por causa do risco que estas atividades geram. O BNB é um banco de desenvolvimento e de fomento à agricultura e indústria de modo que você sabotar um Banco como esse você está sabotando o Nordeste e consequentemente sabotando o Brasil. Lutar contra a reestruturação é um desafio nosso.
 
O que achou do Seminário da AFBNB? Como a avalia a realização do evento?
 
A AFBNB está de parabéns pela capacidade de articulação de envolver outras entidades, de fazer esse diálogo com a Câmara dos Deputados, porque precisamos ganhar também o apoio desses parlamentares, porque eles irão votar medidas como essas que querem retirar recursos do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) para trazer para o Fies, o que é uma tremenda estupidez também. Então a gente precisa do apoio desses parlamentares. Infelizmente são poucos parlamentares que apoiam as nossas causas e iniciativas como essas valorizam muito. A AFBNB está de parabéns pela grandiosidade do evento, pelo conteúdo e pela capacidade de envolver amplos setores.
 
Você citou a “pedagogia do desejo” como estratégia que pode ser utilizada pelos trabalhadores.
 
Nós precisamos ganhar toda a sociedade brasileira pra essa pauta, não é um assunto corporativo, não é um assunto dos empregados do BNB mas de toda a população brasileira. A destruição do BNB leva também à destruição do Nordeste e a sabotagem de um estratégia de desenvolvimento nacional. Por isso precisamos ganhar corações e mentes de amplas parcelas da população. Converse com seu amigo, seu vizinho, cliente do Banco, converse com colegas da faculdade, no bairro, pra gente trazer muita gente pra essa luta em defesa do Nordeste, em defesa do BNB, da democracia e dos trabalhadores.  
 
*****************************
 

Entrevista com Atenágoras Duarte - Doutor em Economia e professor Universitário 

Estamos vivendo um momento muito complicado em que crises são geradas e são usadas como justificativa para ideias como o estado mínimo, com redução de investimento, cortes em programas sociais. O estado mínimo é a saída para alguma coisa?

A resposta tem que ser seguinte: pra quem? Porque se você for ver para o capital financeiro, para as grandes empresas está tudo muito bem. Teve um economista conservador (não era nem de esquerda!) dizendo que o Brasil está sendo mantido na crise pra justificar a reforma da previdência, porque a reforma da previdência vai ser um mega negócio para os grandes bancos e para as grandes empresas - qualquer que seja o setor delas, comunicação, industrial, agrícola - que tenha dinheiro pra investir no mercado financeiro, porque é mais de 200 milhões de negócios, com o fim efetivo da reforma da previdência. O que se coloca é que a crise é seletiva; crise para quem. Para os grandes bancos está tudo muito bem. Agora eles estão querendo aproveitar esse momento, que é a maior crise econômica da história - maior que a de 30, maior que de 80 se você considerar 5 anos em termos de tamanho de PIB - para fazer uma grande regressão de direitos dos trabalhadores. Para quem depende de mercado interno isso vai acabar gerando sequelas: menos renda, menos consumo, menos negócios. Mas estamos falando de uma cúpula de capital que está muito internacionalizada e está muito satisfeita em fazer negócios como o estrangeiro e ganhar dinheiro do Estado via juros, isso atendido o negócio é administrar para que a revolta não ameace os privilégios presidentes.
 
Você falou que quando a gente fala em política de desenvolvimento, seja ela qual for, é uma disputa ideológica, uma disputa de conceito, e essa disputa recai no Estado. Mas o Estado, que é quem elabora a política, tem de um lado o dono de capital e do outro o povo. Como equilibrar esses interesses ou fazer com que a balança penda para o lado da maioria?
 
O problema é que esse modelo não tem como equilibrar porque existe uma hierarquia de interesses, uma hierarquia alta. Por exemplo, o grande capital define a política econômica e as outras ações sociais tentam definir políticas menores em termos de impactos, mas que são dependentes da política econômica. Então, por exemplo, você faz uma política de assentamentos mas o assentado vai ter que produzir dentro de um mercado em retrocesso, sem crédito pra produzir, sem conhecimento técnico... Há o que eu chamo de políticas explícitas e políticas implícitas. A política macroeconômica é implicitamente uma política industrial, uma política regional, uma política social. Por exemplo, tivemos em uma parte do governo Lula uma melhora da situação do Nordeste. Teve impactos de políticas setoriais localizadas? Teve, mas teve um grande o aumento real do salário mínimo, porque esse aumento impacta mais na região Nordeste do que no resto do país. Do mesmo modo quando em 1988 foi aprovada a aposentadoria rural, o interior do Nordeste foi fortemente beneficiado. Tem espaços no interior que são sustentados pela renda dos aposentados e isso vai se perder com o fim da previdência. O fato é que as principais políticas estão da classe dominante e isso é por definição. Ela é dominante porque controla essas políticas. Existem momentos históricos em que o conflito é menor; existem momentos históricos em que elas podem abrir concessões; mas existem momentos em que eles não querem abrir essas concessões. Estão aproveitando a crise mundial pra fazer um grande retrocesso de direitos e nesse marco, nesse modelo de estado, a lógica vai ser essa. Agora, com gente nas ruas, você tem um contrabalanço de influência política, você pode atenuar o prejuízo e construir uma alternativa mais adiante. Veja que nós estamos mobilizados. Dizem que o povo está parado mas não está.  Você pega a lista de manifestações, greve geral, ocupações de escolas, de universidade que foram feitas nos últimos dois anos ... A população não está parada, mas a população cansa. O povo não está parado mas não está tendo a capacidade de organização para fazer repercutir suas ações no momento.
 
 
Em relação ao BNB e dentro desse cenário global, muitos o comparam usando como base o mercado. Como o Banco pode mostrar para a sociedade a sua importância?
 
Em primeiro lugar, o resultado contábil de uma empresa não reflete necessariamente os efeitos que ela gera no resto da economia.  Então um banco que tenha prejuízo, mas cujas ações provocam o crescimento de outros setores econômicos, o resultado econômico dessa atuação tem que ser incluída nesses resultados econômicos e não nos resultados do próprio banco. Mas o problema é o seguinte: a questão regional está submissa à questão nacional e enquanto o projeto for "Ponte pro passado", voltar para o Brasil pré-30, a quebra do BNB é só mais um ato. Estão querendo quebrar a CHESF, a CHESF é uma empresa importantíssima para região nordeste e o projeto é privatizar! Então o BNB entra como um componente de uma agenda maior. Não existe saída isolada. Primeiro, porque o presidente do BNB é nomeado pelo governo federal. Segundo que, mesmo que por um acaso o presidente quisesse se insubordinar, ele seria prontamente retirado. Mas o fato é que um banco regional, ou nacional, não tem como fazer frente sozinho a uma política nacional. Não há solução nesses marcos atuais. É necessário construir um novo marco, que leve em conta a questão nacional associada à questão regional. A questão nacional também não se resolve sem levar em conta a questão regional. Ou você cria esse novo marco ou, nesse ambiente, nessa agenda política, nesses governos, não há saída não.
 
Última atualização: 03/10/2017 às 17:36:58
Versão para impressão Diminuir tamanho das letras Voltar Página inicial Aumentar tamanho das letras
 

Colunas

Versão em PDF

Edições Anteriores

Clique aqui para visualizar todas as edições do Nossa Voz
 

Rua Nossa Senhora dos Remédios, 85
Benfica • Fortaleza/CE CEP • 60.020-120

www.igenio.com.br