Keila das Dores Alves (*)
Os conflitos são próprios e inevitáveis em toda organização social, incluindo a greve dos trabalhadores, assim entendida como o legítimo direito de prejudicar. Legítimo porque se trata de direito fundamental com assento no artigo 7º da Constituição Republicana de 1988.
Nesse sentido, ainda que a greve possa constranger e prejudicar, isso não autoriza sua eliminação, quando muito possibilita sua modulação para preservar a convivência harmoniosa com outros direitos. Exemplo de harmonização entre direitos aparentemente antagônico corre quando a legislação assegura a continuidade das atividades essenciais durante o período grevista. A greve, portanto, não contraria o direito, o que implica reconhecer que não há ilicitudes na greve, mas sim o exercício regular de um direito fundamental, necessário e legítimo, reconhecido por todos os estados democráticos.
Nesse contexto, importante sublinhar que o exercício regular do direito de greve não pode afetar o mais básico de todos os direitos, que é o direito à sobrevivência. Noutras palavras, o exercício da greve somente se torna factível quando assegurado aos trabalhadores o pagamento dos salários durante o período de paralisação. Logo, a supressão de salários dos grevistas está condicionada à declaração judicial que reconhecer a ilegalidade da greve.
Em nossos tribunais, reina o entendimento queo instituto da greve é matéria afeta ao direito coletivo e, por esse motivo, não se pode reconhecer ao empregador o exercício arbitrário das próprias razões e assim autorizá-lo a descontar os salários dos grevistas sem a instauração e o exaurimento da negociação coletiva para delimitação dos efeitos das relações obrigacionais pendentes.
Diante de todo o exposto, conclui-se que sem decretação de ilegalidade da greve e sem a realização da negociação acerca dos efeitos obrigacionais do período grevista (trabalho x salário), são ilegais todos os eventuais descontos promovidos pelo empregador na remuneração do empregado. Por outro lado, também constituiria enriquecimento sem causa do trabalhador grevista – ganho ilícito, portanto – o recebimento dos salários sem a correspondente prestação dos serviços.
A saída para esse aparente conflito de direitos é a via da negociação coletiva (convenção e acordo coletivo de trabalho), instrumental importantíssimo para que os sujeitos coletivos da relação trabalhistas (representantes dos empregadores e representantes dos empregados) pactuem, autonomamente, a compensação ou a forma de desconto dos dias parados. É, portanto, no acordo ou convenção coletiva de trabalho que todas as amarras são resolvidas, cabendo ao sindicato dos trabalhadores o importante papel de bem representar os interesses dos empregados, para que o direito de greve não seja esvaziado. Eventual desconto dos dias paralisados somente será possível, frisa-se bem, após a negociação coletiva e desde que demonstrado a impossibilidade de entendimento sobre a compensação dos dias de greve.
Registro, por fim, que a greve não tem prazo legalmente estabelecido para o seu término. O Poder Judiciário, evidentemente, poderá intervir no conflito, mas desde que provocado pelas partes coletivas (sindicatos, federações ou confederações de trabalhadores ou de empregadores), após o insucesso das tentativas de acordo, momento em que o conflito de trabalho será judicializando por meio da instauração de uma relação jurídica processual denominada dissídio coletivo de trabalho.
(*) Mestre, Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, advogada associada do escritório Rocha Machado Sociedade de Advogados.
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