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11/02/2014

Nossa Voz - O que queremos para o BNB agora e no futuro?

Ponto de vista, com Atenágoras Duarte

O Nossa Voz conversou com o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Atenágoras Duarte sobre instituição de desenvolvimento, com foco no BNB. Atenágoras trabalhou no BNB entre fevereiro de 2001 e novembro de 2011, tendo sido lotado no ETENE, no Ambiente de Políticas e na Central Operacional de Recife.
 
A edição impressa do Nossa Voz saiu com trechos editados da opinião do professor. Confira abaixo a íntegra de seu ponto de vista: 
 

Ponto de vista – Atenágoras Duarte

Nossa Voz - O que basicamente diferencia um banco de desenvolvimento de um banco de mercado?

Atenágoras Duarte -  Um banco de desenvolvimento planeja, articula e financia ações econômicas, políticas e sociais para transformação dos fatores que definem o desenvolvimento, enquanto que um banco de mercado apenas busca os negócios mais lucrativos disponíveis no mercado. Um banco de desenvolvimento regional ou nacional exige o atendimento de interesses coletivos, enquanto um banco de mercado atende tão somente aos interesses privados de seus donos. O planejamento necessário a um banco de desenvolvimento exige estudo e pesquisa para uma compreensão profunda da realidade. O desenvolvimento de uma região ou de uma nação, por sua vez, corresponde a um processo social que inclui os seguintes componentes fundamentais:

 - crescimento econômico de longo prazo;

- distribuição de renda;

- oferta de bens públicos;

- transformação da estrutura econômica, com a criação de novos produtos e setores, ou aprimoramento dos existentes;

- criação e difusão do conhecimento e da tecnologia (ou seja, Educação e C&T);

- sustentabilidade ambiental;

- participação política.

Desenvolver uma nação exige tanto a percepção da mesma em sua totalidade quanto da profundidade e complexidade dos fatores de desenvolvimento. Um Banco Regional de Desenvolvimento precisa também incluir entre suas considerações estratégicas e na definição de suas políticas as assimetrias entre as regiões, geradas e ampliadas pelos modelos econômicos adotados pelos países.

 

Nossa Voz - Pela sua experiência no BNB, vc avalia que o viés desenvolvimentista tem perdido espaço no Banco?

Atenágoras Duarte -  O desenvolvimentismo conservador (o Brasil jamais experimentou um desenvolvimentismo progressista), enquanto ideologia e política, já não é mais hegemônico no Brasil desde os anos 80. Os governos desde a redemocratização adotaram variações de projetos neoliberais ou social-liberais, mas já não há mais um componente efetivamente desenvolvimentista na Política Econômica dos governos federais que dirigem o BNB.

As ações aparentemente desenvolvimentistas são cosméticas, pontuais, desarticuladas, ou até mesmo ações de mercado travestidas de desenvolvimentistas (como é o caso das Parcerias Público-Privadas, que atendem muito mais aos interesses privados do que públicos). Até que algumas destas ações pontuais poderiam ser promissoras (o FUNDECI, os agentes de desenvolvimento), se estivessem articuladas com outras políticas regionais efetivamente promotoras de desenvolvimento, e não meras oportunidades de negócios para algumas empresas. Um dos indicadores deste abandono da missão desenvolvimentista foi o próprio enfraquecimento do ETENE enquanto espaço de estudo, pesquisa e planejamento das ações de desenvolvimento. Não se transforma o que não se entende, e não se entende o que não se pesquisa.

Nossa Voz - Se sim, o que o BNB deveria fazer para resgatar o papel e a imagem de indutor do desenvolvimento?

Atenágoras Duarte -  A rigor, não é viável o BNB desempenhar satisfatoriamente este papel de indutor de desenvolvimento quando a política econômica é liberal e promove o fortalecimento da lógica de mercado. Contudo, a transformação do todo também passa pelas transformações de suas partes. A defesa de políticas de viés pró-desenvolvimento para o BNB contribui para a luta maior, de mudança do modelo econômico adotado no país. É crucial, portanto, ter-se em conta que não se trata meramente de “resgatar” um papel de indutor de desenvolvimento existente no passado.

Desde que foi criado, o BNB exerceu apenas o papel de instrumento de um modelo de desenvolvimento profundamente conservador do ponto de vista social, ambiental e até econômico, modelo este promotor da concentração de renda e do poder político, um modelo destruidor do meio ambiente e promotor da condição do país de subordinação periférica no sistema econômico internacional (que teve diferenciações, entre o período de 1954 a 1980, quando foi dado mais espaço para uma maior autonomia e ousadia na estruturação de novos setores econômicos, para o período de 1980 até hoje, quando a condição subalterna e periférica ganha novas regras). Em termos de um novo paradigma de desenvolvimento, eu defenderia as seguintes bandeiras para transformação do BNB (repito, como parte de uma luta maior por um novo modelo de desenvolvimento para a região e para o país):

 

1. Inclusão do BNB em um Conglomerado de Empresas Estatais, que articule o planejamento, o financiamento e a execução de ações de desenvolvimento. A única garantia para que o restrito interesse privado não invada uma organização que teria que ter, obrigatoriamente, uma missão pública, seria garantir a plena transparência do funcionamento desta nova instituição e uma ampla participação de organizações populares na gestão e fiscalização deste Conglomerado (algo fácil de conceber, difícil de executar, mas fundamental);

2. Fortalecimento do ETENE enquanto órgão de estudo da região, dos diversos componentes do desenvolvimento e do planejamento estratégico, de curto, médio e longo prazo do BNB;

3. Criação de uma empresa de inovações tecnológicas, que tentaria viabilizar economicamente as inovações surgidas do FUNDECI;

4. Trocar o atual foco nas grandes empresas privadas por uma política de financiamento articulada com as estratégias globais do Conglomerado Estatal e com o financiamento de longo prazo exclusivo de cooperativas e associações econômicas, de micro, pequenas e médias empresas privadas. De minha parte, seria válido que o BNB não realizasse operações com grandes empresas privadas (que, inclusive, possuem amplos recursos para autofinanciamento, que atualmente são reorientados para a especulação financeira). Contudo, compreendendo que a AFBNB precisa buscar um amplo apoio em sua base para implementar a luta política, observo que um complemento moderador razoável poderia ser a defesa de uma concessão à lógica comercial. Às grandes empresas privadas poderiam ser concedidas operações envolvendo capital de giro e financiamentos de investimentos de curto prazo. Esta medida, conjugada com uma nova política para o BNDES e para o Banco Central (com drástica redução da taxa de juros no Brasil), serviria para forçar as grandes empresas privadas a reorientar seus recursos do setor financeiro para o setor produtivo, com financiamento de investimentos de longo prazo a partir de recursos próprios;

5. Integração efetiva do Banco com o setor produtivo estatal, com a participação do mesmo no capital e na gestão (processo que conteria semelhanças ao chamado “modelo prussiano”) de empresas estatais estratégicas, com destaque para: ferrovias; energia eólica, solar e de biodiesel; fármacos; máquinas e equipamentos; e nanotecnologia;

6. Mudar a forma de avaliar o desempenho do BNB, sintonizando a avaliação do mesmo com suas efetivas contribuições aos componentes do desenvolvimento. Um ponto central desta reavaliação é o entendimento que o Banco não precisa dar lucro, e que aos funcionários não deve ser oferecida uma participação nos lucros e resultados comerciais, mas salários maiores, compatíveis com a importância da missão de promover o desenvolvimento, e, quando muito, também uma premiação pelos resultados não financeiros de acordo com os objetivos estratégicos do Banco. Cabe destacar que desenvolvimento significa, na prática, ousar na criação de novas tecnologias e setores econômicos, com a convivência com eventuais prejuízos enquanto que a nova cadeia produtiva está sendo estruturada, e enquanto os investimentos estão “amadurecendo”.

Nossa Voz - O Nordeste não é mais o mesmo, tampouco os desafios a serem enfrentados pela região para superar os indicadores ainda aquém do ideal. É possível ao BNB acompanhar esse cenário econômico e social sem perder de vista seu diferencial enquanto banco de desenvolvimento?

Atenágoras Duarte -  O BNB só pode efetivamente acompanhar o atual cenário econômico e social se conquistar uma condição de efetivo Banco de Desenvolvimento Regional integrado e pleno. Um dos problemas da região NE, desde a criação do BNB, foi exatamente a completa insuficiência de sua trajetória de crescimento do PIB para dar conta das necessidades da imensa maioria da população. A região NE cresceu até mais do que o Brasil, de 1960 até hoje, mas este processo ocorreu com uma elevadíssima concentração de renda, com o inchaço das grandes metrópoles, com o caos urbano, com o aumento da violência, com a destruição ambiental e com a precarização dos bens públicos, em um grau talvez até maior que o resto do país.

A múltipla dimensão do desenvolvimento foi inteiramente prejudicada, com as ações estatais focadas praticamente apenas no crescimento econômico – que também foi fortemente prejudicado quando do abandono do desenvolvimentismo conservador e adesão ao neoliberalismo a partir dos anos 80. A manutenção do BNB com o viés atual, de instrumento complementar de uma lógica mercantil, conduz à irrelevância de sua condição de Banco Estatal Federal de Desenvolvimento Regional. Se o BNB age, na prática, como um banco comercial qualquer, qual é a necessidade de sua existência?

Nossa Voz - Considerações finais?

Atenágoras Duarte - Observo que as considerações acima podem soar por demais ousadas, para muitos. Cabe observar que as considero compatíveis com as perguntas e com o propósito de resolução dos problemas colocados. A crença de que meras medidas paliativas, que não se confrontem com a natureza destruidora do modelo atual, serviriam para resolver nossos problemas, para mim é pura ilusão. Nem mesmo o retorno ao desenvolvimentismo conservador, que ganhou certa aura de “bem sucedido” por ter permitido expressivos crescimentos do PIB do Brasil e do Nordeste, constitui-se em estratégia consistente e sustentável, pelo menos não enquanto estivermos falando de desenvolvimento.

Um processo de múltiplas dimensões não pode ser resumido a um único fator (o crescimento do PIB) sem gerar profundas contradições e graves crises resultantes. É claro que não existe uma única estratégia possível, e que há alternativas tanto mais radicais quanto menos radicais que as considerações expostas. O que considero imprescindível para adequação, viabilidade, consistência e sustentabilidade destas alternativas é a natureza das mesmas. Se estiverem no campo de ações pró-sociedade, centradas na busca pelo atendimento das necessidades humanas, individuais e coletivas, tais alternativas também poderiam ser soluções.

Contudo, se forem medidas no campo de ações pró-mercado, de mercantilização das relações sociais e do meio ambiente, tornam-se as mesmas um caminho para, quando muito, esconder temporariamente o agravamento dos problemas, jamais sendo sua solução. No campo da lógica de mercado, temos hoje apenas um processo de degradação (mesmo quando no curto prazo aparente ser positivo), não por um acaso chamado por Karl Polanyi, em “A Grande Transformação”, de “Moinho Satânico”.

 

Última atualização: 19/02/2014 às 11:02:20
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