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29/07/2010

Plural - Edição Julho/2010

O dilema do povo nordestino e a água

Por Hugo Rafael Freitas

O Nordeste Brasileiro ainda é reconhecido como a região do polígono das secas, em virtude da irregularidade de chuvas em grande parte do seu território. Cenário de estiagens prolongadas, o semi-árido nordestino é tido como sinônimo de pobreza. Vale salientar, contudo, que tal relação não seja de toda comprovada, já que além das condições naturais de uma região, outros fatores contribuem para definição de sua situação econômica. Desta maneira, apontar a escassez de chuvas como a única responsável pelos percalços regionais, se não é uma falta de conhecimento sobre
esta questão é, no mínimo um vício político, quando não se definem estratégias voltadas a combater os problemas de cunho social. Diante de toda complexidade, torna-se  evidente o enorme desafio quando se pensa no Desenvolvimento do Nordeste.

São inegáveis os atuais avanços, refletidos nos indicadores sócio-econômicos brasileiros, aferidos  face às medidas governamentais. Através de políticas públicas, realizou-se investimentos em infraestrutura, incentivando a iniciativa privada. Reduzida as taxas de juros, permitiu-se o acesso ao crédito, cujo processo se apresenta bem menos burocrático. De fato, o Brasil produz, consome e
exporta mais; tem mais comida na mesa e mais alunos nas escolas.  O Brasil vem crescendo e o Nordeste cresce junto, todavia este último, requer primazia, haja vista os desequilíbrios inter-regionais, nutridos ao longo de séculos.

Talvez por estarmos vivenciando este processo de transformação não tenhamos a exata consciência da importância deste momento atual no Brasil e em especial no Nordeste, cuja visualização permitir-se-á somente mais tarde, distante do turbilhão de inovações e sentimentos que nos envolvem. Até que os efeitos positivos venham à tona, e a região possa se beneficiar verdadeiramente, sendo capaz de se revestir noutra dimensão, o estilo de vida nordestino estará
intrinsecamente relacionado à “morte e vida Severina”. O retrato da família retirante; do chão rachado, ressequido; da vaca magra e da ossada do gado servindo de banquete para os urubus;  o açude seco e a lavoura miúda, dizimada pela seca... permeiam o imaginário da maioria dos brasileiros, principalmente os mais influenciados pela mídia nociva ou limitados, sobre este tema, aos belíssimos
romances de nossa literatura. Na verdade, não se pode negar a existência destas mazelas, contudo,imperioso se faz lembrar que a estiagem é um fenômeno natural que ocorre no Nordeste, mas não o é. Destarte, pela controvérsia que lhe é peculiar, de maneira instigante, o Nordeste se manifesta antagonicamente, como sendo também a terra das enchentes.

Diferente da seca que se anuncia, e “mata de fome um pouco por dia”, como num piscar de olhos, as águas inundaram cidades, destruíram moradias, arrasaram populações inteiras. A falta de saneamento básico, de medicamentos e atendimento médico-hospitalar, falta de energia elétrica, isolamento,  frio e fome, são os novos retratos que surgem quando se quer pensar em Nordeste.
Nota-se, todavia, que embora apareçam novos atores, novos cenários e outros elementos em cena, os personagens principais desta história continuam sendo o povo e a água, assim, pela epopéia propiciada em ambos os casos, vê-se de maneira quase sobrenatural, que o Nordeste é uno também no sofrimento.Nestas circunstâncias, arrepender-se-ia um retirante desavisado, já que ao chegar no sul repleto de esperança, não  teria hoje onde morar com sua família, porque não existem mais
pontes.

É impossível, dentro das possibilidades tecnológicas e científicas contemporâneas o controle pleno dos fenômenos naturais como a estiagem e as enchentes, porém, há muito tempo pode se utilizar meios para melhor  convivência com a seca, bem como já é sabido o risco eminente quando se constroem moradias  às margens de rios, barragens e encostas de morros, suscetíveis às inundações e deslizamentos.

Os prejuízos causados pelas fortes chuvas deveriam ter sido amenizados caso houvesse melhor planejamento na ocupação das áreas urbanas das cidades afetadas. O respeito ao curso natural dos rios, preservação de mata ciliar e a escolha racional da área a ser habitada, não influenciariam no volume pluviométrico, mas indubitavelmente evitariam tamanha onda de calamidade pública.
 
O Nordeste ainda é da seca, da enchente e da sorte. Um dia, quiçá, será dos nordestinos, trabalhadores e merecedores de uma vida menos incerta. Enquanto isso, aguardam-se outros tantos investimentos indispensáveis para o ressurgimento de um  Nordeste mais maduro, respeitado  e confiante de seu potencial diante de um mundo globalizado e competitivo. Um Nordeste de muitos valores, coragem e história. Nordestinos fortes e unidos, conterrâneos sempre.

*Hugo Rafael é Técnico de Campo da Central de Apoio Operacional do Recife
Última atualização: 30/11/-0001 às 00:00:00
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