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15/03/2009

Plural - Nasce o PLURAL

A crise mundial e os bancos de desenvolvimento

A atual crise mundial é sistêmica. Isso significa dizer que não se trata apenas de uma daquelas crises econômicas periódicas típicas do capitalismo desregulado. É algo mais profundo que isso, tanto de um ponto de vista estritamente econômico quanto do ponto de vista de outras dimensões da vida social.

Do ponto de vista estritamente econômico, a crise envolve um profundo descompasso entre o estoque mundial de ativos financeiros (que, ao final de 2007, foi da ordem de US$ 185 trilhões, segundo o Banco Mundial, excluindo derivativos, que foram da ordem de US$ 420 trilhões, e ações nas bolsas de valores, que foi da ordem de US$ 61 trilhões) e o fluxo produtivo (ou seja, do PIB mundial, que foi da ordem de R$ 54,7 trilhões, em 2007, segundo o FMI). A relação entre estoque total de ativos financeiros (exceto derivativos e ações) e PIB mundial foi, portanto, de cerca de 3,4 vezes em 2007, tendo sido de 1,6 em 1990, e 1,1 em 1980. Este descompasso envolve, entre outros fatores, a desregulamentação da economia, o aumento da produtividade, a contínua diversificação produtiva e o impacto de mudanças tecnológicas, em processos que vem sendo maturados a vários anos.

Ainda do ponto de vista estritamente econômico, há o descompasso entre a geração do excedente econômico na China e na Índia, sobretudo desde 2001 (quando a contribuição ao crescimento do PIB por paridade de poder de compra do grupo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, ultrapassou a contribuição do G7), e a absorção deste mesmo excedente na demanda mundial. A rigor, estes dois fenômenos não são idênticos, mas são conectados entre si. Por fim, considere-se enquanto fatores explicativos da dimensão desta crise o elevado nível de inter-dependência econômica internacional (ou seja, o atual nível de globalização) e o fato da crise ter sido originada nos EUA, que ainda é a maior economia do mundo e controla a principal moeda internacional.

Mas há outras dimensões sociais que precisam ser consideradas e que também estão conec-tadas com os fenômenos econômicos acima citados (ciclos de acumulação do capital, financeirização e bolhas especulativas, globalização da economia, revolução tecnológica, desregulamentação da economia), que são o aumento da desigualdade social (com o aumento da concentração da renda e redução da oferta de bens públicos como educação, saúde, segurança pública) e a gravíssima crise ambiental. Estes dois fatores continuarão problemáticos e graves, mesmo que o PIB mundial volte a crescer a taxas relevantes. Aqui é crucial de se enfatizar: há uma crise sistêmica profunda por baixo da queda das taxas de crescimento das economias do mundo. Isso não significa dizer que se trate de uma crise “apocalíptica”. Este mesmo sistema pode ter sobrevida (apesar de todas as suas mazelas), com as tensões sociais reduzidas e a degradação ambiental atenuada, mas, sobretudo no caso ambiental, muito dificilmente poderá ser uma questão protelada indefinidamente. Entretanto, a viabilidade social, econômica, política e ambiental do capitalismo não é objeto deste artigo.

O que pode fazer um banco de desenvolvimento frente a esta crise mundial? De imediato, é fácil perceber que em um momento de retração do crédito cabe aos bancos públicos garantir sua oferta, a custos adequados. Também é imediata a percepção do poder desta oferta de crédito em pressionar pela adoção de práticas de preservação ambiental por parte das empresas-clientes. Mas aqui é fundamental delimitar as reais possibilidades destes mecanismos. Por mais barato que seja o crédito, e por maior que seja sua oferta, isso por si só não define a retomada dos investimentos. Por que razão uma empresa aumentaria seu endividamento se não houver perspectivas de vendas que paguem os investimentos realizados? Decerto que existirão aquelas empresas que irão investir para conquistar o mercado da concorrência, ou para manter seu próprio mercado, mas o saldo líquido deste processo será de retração da demanda por crédito quando as expectativas de vendas, para o conjunto das empresas, forem desfavoráveis, pouco importando os custos do crédito.

Um banco de desenvolvimento, portanto, tipicamente público, torna-se um complemento de uma estratégia governamental maior, focada no estímulo à demanda interna final, com redução dos custos de crédito para o consumo final e aumento dos gastos públicos. O caso das exportações é mais específico: o governo pode, e deve, buscar políticas (comerciais, tecnológicas, financeiras) de apoio às exportações, mas por estarmos em um período de recessão mundial, seu aumento só será possível pelo deslocamento da concorrência internacional. O problema é que todos os países buscam este mesmo resultado, de maneira que, afora arranjos de negócios específicos, esta alternativa parece ser pouco promissora no momento (o que não elimina a importância do poder público ter uma política de apoio às exportações).

No caso específico do BNB, o mesmo poderia exatamente participar destes arranjos de negócios internacionais, visando, por exemplo, parcerias com países da América Latina para deslocar exportações dos países ricos. A idéia é que o Brasil poderia contribuir para um processo de substituição de importações industriais oriundas dos países ricos por parte de países vizinhos, como a Bolívia, a Venezuela, o Paraguai e o Equador – países com políticas estatais mais ofensivas e ousadas. O Brasil exportaria, assim, máquinas, equipamentos e bens intermediários industriais, os países parceiros ampliariam seu grau de industrialização e reduziriam (no longo prazo) sua dependência de importações de bens finais, e os próprios países ricos pouco seriam afetados, visto que o grosso de seu comércio ocorre entre eles mesmos.

Por parte de um banco de desenvolvimento, mais importante que reforçar parcerias internacionais, seria o apoio ao mercado interno, em três frentes:
- a participação na engenharia financeira de grandes projetos estatais. Resgatando e ampliando as propostas contidas no documento “Por um Nordeste Melhor”, da AFBNB, considera-se que o governo federal poderia atuar diretamente, através de um conglomerado estatal, no mínimo e de imediato nos seguintes setores: no sistema ferroviário (no caso da Transnordestina, repassar o projeto integralmente para a VALEC, estatal responsável por ferrovias nas regiões sul e sudeste do país); na indústria de componentes eletrônicos, inclusive com a ousadia de se pesquisar e investir na nanotecnologia; na indústria farmacêutica; e na indústria de fontes alternativas de energia. O BNB poderia participar destes projetos na condição de acionista das empresas envolvidas, e no envolvimento de seu corpo técnico no planejamento e execução dos projetos;
- o aprimoramento do apoio a projetos de maior impacto social: maior e melhor participação na reforma agrária; apoio não só de crédito, mas também de contribuir na capacitação de cooperativas e associações de produtores, do ponto de vista tecnológico e gerencial;
- na própria difusão de conhecimento econômico. O BNB conta com o ETENE, com uma importante base de dados sobre as empresas financiadas, nas Centrais de Apoio Operacional, e com parcerias com as universidades públicas. A mera difusão do conhecimento econômico já contribui para a redução das incertezas e para o fortalecimento da capacidade de planejamento tanto do setor público (na administração direta e nas empresas estatais) quanto até mesmo do setor privado.
Em síntese: um banco de desenvolvimento como o BNB, isoladamente, pouco pode contribuir no enfrentamento da crise pela região. Contudo, dentro de uma estratégia maior e mais ousada do governo federal, pode se tornar em um instrumento complementar importante não meramente para a manutenção de elevadas taxas de crescimento do produto, mas para a própria difusão do desenvolvimento econômico, nas suas dimensões de crescimento do produto, distribuição da renda, ampliação dos serviços públicos, difusão tecnológica e recuperação e proteção ambiental.

* Atenágoras Oliveira Duarte é membro do Conselho Técnico da AFBNB

Última atualização: 30/11/-0001 às 00:00:00
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