Para falar sobre as principais questões que envolvem a saúde do trabalhador, o Nossa Voz conversou com a médica do trabalho Maria Maeno. Ela possui mestrado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo e coordenou por 16 anos o Programa de Saúde dos Trabalhadores da Zona Norte de São Paulo, da Secretaria da Saúde do Estado, do qual se originou o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Atualmente é pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego, professora do Centro Universitário Senac de São Paulo e assessora da diretoria do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde em Saúde Ocupacional no Brasil.
NOSSA VOZ – Levantamento feito pelo Ministério da Previdência Social mostrou que o trabalhador bancário é o campeão em LER/DORT. Mas nós sabemos também que problemas relacionados à saúde mental também crescem dentro dos bancos. Na sua opinião, o bancário brasileiro está adoecendo mais?
Maria Maeno – Até há pouco tempo, havia uma associação entre condições visivelmente precárias e a possibilidade de ocorrência de acidentes e doenças. No ambiente de trabalho, chamavam a atenção de todos os acidentes típicos ou tipo, como quedas de grandes alturas, eletrocução, acidentes em máquinas etc. Ao lado desses acidentes, também figuravam as doenças chamadas profissionais, associadas a determinadas atividades de trabalho, tais como, intoxicação por substâncias químicas, perda auditiva por ruído etc. No entanto, com a crescente preca-rização do trabalho e com a implementação de formas de gestão baseadas na pressão exercida sobre os trabalhadores, desconsiderando os limites humanos, para atingir o cumprimento de metas estabe-lecidas unilateralmente e a qualidade dos serviços e produtos, tem-se verificado um aumento de adoecimentos em diversos ramos econômicos. No caso do setor bancário, a pressão organizacional é exercida de diversas formas, desde os bônus e a permanência no emprego vinculados ao cumprimento de metas, até situações cotidianas de exposição pública da performance dos trabalhadores e humilhações. Outro aspecto importante é a existência de conflitos éticos que afloram quando, para cumprir metas, eles são forçados a oferecer produtos inadequados aos seus clientes. E finalmente, o bancário que trabalha em agência, corre o risco de ser vítima de assalto, seqüestros envolvendo até familiares, fatos que têm se tornado corriqueiros, risco que por si só já pode trazer danos à saúde. Assim, seja pela crescente pressão, seja pela organização do trabalho, seja pela violência urbana complementada pelo descuido dos bancos em relação à segurança, observa-se que o bancário tem adoecido mais, seguramente. Chamam a atenção as doenças músculo-esqueléticas e os transtornos psíquicos.
O Ministério da Saúde lista as doenças relacionadas com o trabalho, dentre elas transtornos mentais e do comportamento. Entretanto, no dia a dia das empresas o tema ainda é difícil de ser tratado, uma vez que ainda há muito preconceito. O que as entidades representativas dos trabalhadores e os próprios podem fazer para desmistificar o assunto?
Para as empresas não interessa o reconhecimento de que diversos aspectos do trabalho causam ou agravam o adoecimento, entre os quais o psíquico. Assim, elas aproveitam para responsabilizar os fatores externos para justificar o alto índice de adoecimento psíquico. Entre os fatores externos ao trabalho mais utilizados estão a violência urbana, o trânsito, os problemas familiares. Os trabalhadores, embora se sintam adoecidos, frequentemente optam por esconder esse adoecimento pelas conseqüências, entre as quais, o isolamento, a possibilidade de demissão, o estigma. Trabalham doentes e só “desabam” quando várias situações desencadeiam um nível insuportável de sofrimento ou quando são demitidos. Os sindicatos podem ajudar muito se passarem informações aos trabalhadores e sobretudo apostarem no fortalecimento das organizações por local de trabalho, estimulando os trabalhadores a lutarem organizadamente, a acreditarem neles mesmos, a articularem uma rede de solidariedade em vez de isolarem os adoecidos, os que retornam ao trabalho depois de longo tempo de afastamento e os que são vítimas de humilhações e assédio moral.
O que já avançou em termos de políticas públicas em benefício à saúde do trabalhador? Na sua opinião, a legislação brasileira atende às necessidades do trabalhador e o ampara nas questões de saúde?
Há muito que fazer e há muitos avanços. O Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Previdência Social (MPS) reconhecem um rol de aproximadamente 200 agravos relacionados à saúde. O MS determinou onze agravos relacionados ao trabalho como de notificação compulsória, pela Portaria 777/2004 (que dispõe sobre os procedimentos técnicos para a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador em rede de serviços sentinela específica, no Sistema Único de Saúde), independentemente do vínculo empregatício. Além disso, o MS está ampliando a Rede de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), publicou um Manual de Doenças Relacionadas ao Trabalho, Protocolos etc. O MPS implementou o critério epidemiológico para concessão de benefícios acidentários com o objetivo de diminuir a subnotificação de doenças ocupacionais. Já o Ministério do Trabalho publicou dois anexos da NR 17 importantíssimos, um sobre o trabalho do caixa e o outro sobre o trabalho de teleatendimento, contemplando aspectos da organização do trabalho e psicossociais. No entanto, falta muita coisa. Além de tudo o que está no papel virar realidade, é fundamental aprimorar a qualidade do atendimento à saúde, propiciar o aumento da participação da sociedade nas decisões dos órgãos governamentais e sobretudo é preciso colocar na agenda do país a saúde do trabalhador.
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