Ele é economista e membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - o MST, do qual é também um dos fundadores. Assessorou a Comissão Pastoral da Terra no Rio Grande do Sul e em âmbito nacional, e trabalhou na Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul. Participa desde 1979 das atividades da luta pela reforma agrária, no MST e na Via Campesina Brasil, além de ser autor de diversas publicações sobre a questão agrária brasileira. Estamos falando de João Pedro Stédile, um dos palestrantes da 35a RCR da AFBNB, que concedeu uma entrevista ao Nossa Voz antes de voltar à sua terra natal, o Rio Grande do Sul.
O capitalismo vem se mostrando insustentável ao longo da história. O que a atual crise tem de diferentes das outras? Ela pode, de fato, representar mudanças significativas na ordem econômica mundial?
Stédile – Todos os analistas, de várias áreas do conhecimento, como a economia, a sociologia e a história, têm nos argumentado de que a atual crise que começou no ano passado tem características de uma crise sistêmica, portanto vai ser prolongada, profunda e a nível internacional. Isso significa que provavelmente nós teremos uma crise do capitalismo nos próximos cinco a dez anos. Bem, como o capitalismo sairá da crise ninguém sabe. Se nós deixarmos, eles vão tomar as medidas clássicas que sempre tomam nas crises: destroem parte do capital; aumentam a exploração sobre os trabalhadores; e abrem brechas para um novo ciclo de acumulação. Mas as crises sempre foram momentos em que a classe trabalhadora se organizou. É uma oportunidade de abrir brechas para lutar contra o capitalismo e melhorar de vida, ou mesmo fazer revoltas populares, que foi o que aconteceu na crise de 29.
Como a classe trabalhadora deve lutar para escapar dos efeitos da crise, que certamente cairão sobre ela?
Stédile – Primeiro, a classe trabalhadora precisa ser conscien-tizada. Ela não descobre a natureza da crise e suas causas por si só. É aí que entra o papel dos sindicatos, dos movimentos, dos partidos, das igrejas. O primeiro passo é explicar para a classe trabalhadora a natureza da crise e explicar que, se ficarmos parados, vai aumentar a exploração, vai ter mais desemprego, o salário vai baixar, o aluguel vai aumentar, o preço dos alimentos vai subir. Então, a classe trabalhadora precisa lutar, em primeiro lugar, para barrar os efeitos da crise, não deixar crescer o desemprego, não deixar baixar o salário. E, num segundo momento, criar uma unidade entre a classe trabalhadora que represente um programa, uma tentativa frente à crise. Os bancos, por exemplo, querem pegar dinheiro do Estado para continuarem tendo lucro. Nós temos que dizer: a saída para os bancos é estatizar. O próprio presidente Lula defendeu isso lá em Nova Iorque. Vamos lutar pelo emprego: se alguém for demitido, pára a fábrica. Tem que fazer diminuir a jornada de trabalho, sem diminuir os salários. Então, são várias etapas que a classe trabalhadora precisa enfrentar para fazer frente à crise.
Falando agora um pouco sobre a criminalização dos movimentos sociais, principalmente do MST. Como o sr. vê essa caça desenfreada a esses movimentos?
Stédile – Toda crise do capitalismo é momento do confronto de classes. O cara estava tranqüilo, empregado e, de repente, fica desempregado. Então, fica indignado. Qual é o maior perigo para os capitalistas? Que essa classe trabalhadora, em época de crise, se conscientize e lute. Porque aí ela barra a perversidade da crise e pode inclusive exigir melhores salários, que o dinheiro público vá para a saúde, para a educação. Então, os capitalistas aumentam a repressão sobre aqueles movimentos que lutam. O MST é um mau exemplo porque está lutando há 25 anos. Então nós estamos sofrendo agora uma campanha de criminalização para não sermos exemplo para os outros trabalhadores lutarem. Como é que eles estão nos reprimindo? Primeiro, através da grande imprensa, que todo dia fala mal da gente, para que o povo brasileiro se afaste do MST. A segunda maneira é através do Poder Judiciário. Eles nomearam até o presidente do STF [Supremo Tribunal Federal], Gilmar Mendes, para bater na gente. Em vez de ministro, o cara virou chefe da polícia. A terceira maneira deles nos reprimirem é com a força policial mesmo. Mas o que eu quero dizer é que eles vão tentar reprimir não só o MST, que luta pela reforma agrária, mas todos os movimentos que lutarem. |