Uma leitura valiosa das causas e conseqüências da crise mundial. Assim podemos definir as palestras do professor Agassiz Almeida Filho, da Universidade Estadual da Paraíba, e do economista João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST. Eles foram os responsáveis pelo alto nível dos debates na manhã do primeiro dia da 35a Reunião do Conselho de Representantes da AFBNB, cujo tema foi “A crise mundial e as instituições de desenvolvimento”.
A construção do Estado Social
Em sua palestra, o professor Agassiz Filho, que é mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Coimbra, abordou a relação entre desenvolvimento econômico e democracia. Para ele, não pode haver desenvolvimento econômico sustentável se o país não avançar no plano político democrático.
De acordo com Agassiz Filho, hoje já não é “heresia” afirmar que o modelo neoliberal caiu por terra. “Antes ninguém contestava o agronegócio, pela sua importância na geração de divisas. Mas a atividade é uma das principais causadoras de desemprego no campo, suprimindo a agricultura familiar em vários pontos. A crise nos abre a oportunidade de fazermos essa discussão, de debatermos um novo modelo de domínio político e de desenvolvimento econômico”, disse.
Para o professor, o Estado é o grande alavancador para a reversão do processo atual. Dessa forma, o enfrentamento do problema passa pelo fortalecimento do Estado. “Mas o Estado Social, que aposte na implementação de direitos sociais”, apontou. E como avançar na construção de um Estado Social brasileiro? “Fui criado na região do cariri da Paraíba e me pergunto: se não fosse a atuação do BNB, quem iria investir ali?”, questionou o professor. “Ao pensarmos o Estado Social, temos que levar isto em consideração”, acrescentou.
Agassiz Filho ressaltou, ainda, que o Estado deve ser o grande planejador da economia. Mas se o Estado não avançar nas bases sociais, vai ser sempre o “Estado das elites”. “Precisamos avançar na construção de um Estado verdadeiramente democrático e distribuidor. Com isso, chegaremos à libertação do povo brasileiro”, finalizou.
Capitalismo em xeque
João Pedro Stédile fez uma leitura sobre as crises do capitalismo ao longo da história. Segundo ele, vivemos hoje a terceira grande crise sistêmica. E diante da hegemonia do capital financeiro, pela primeira vez a crise é, de fato, mundial.
De acordo com Stédile, alguns paradigmas fundamentais do sistema capitalista estão em xeque, a exemplo do modo de produção das riquezas para a acumulação de bens e não para atender às necessidades fundamentais da população.
Dentre os paradigmas que estão caindo por terra, ele citou o automóvel como transporte individual. “A sociedade inteira paga por um veículo de 1.000kg para transportar uma pessoa de 80kg. É inviável e não tem lógica”, destacou. Outro paradigma questionado é a desvinculação do capital financeiro à produção. “Não há mais-valia que sustente as taxas de juros desses bancos. As multinacionais fazem o que querem; há empresas gerindo o Estado”, denunciou.
E nestes 250 anos de capitalismo pós-revolução industrial, quais as saídas clássicas adotadas pelo sistema para sair da crise? Stédile citou várias, dentre elas o lucro com as guerras e conflitos regionais; a exploração dos trabalhadores, com a precarização do trabalho, as demissões e as reduções de salário; o pedido de socorro ao Estado; e a repressão aos que lutam. “A repressão que o MST está sofrendo – e não só a gente – é pela simbologia do movimento. Se numa época de crise, o povo resolve brigar, isso é uma ameaça”, disse Stédile.
As elites afinaram o discurso de que a crise é de todos e, portanto, todos devem dar sua parcela de sacrifício para superá-la. É o discurso repercutido pela mídia, de que não existem culpados. “Por isso a criminalização de quem luta. Para eles é um perigo. Se o povo lutar, a crise vira oportunidade”, concluiu. |