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01/10/2008

Nossa Voz - Hora de lutar para conquistar

Saúde mental e trabalho bancário

A lógica do trabalho bancário tem impactado, cada vez mais, na saúde mental dos trabalhadores. É por isso que a categoria, na campanha salarial deste ano, dentro do eixo “saúde e condições de trabalho”, exige o combate ao assédio moral e outras formas de violência organizacional e às metas abusivas, dentre outros pontos.
Para falar sobre o tema, o Nossa Voz conversou com o professor doutor Jackson Sampaio, Diretor do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará. Como pesquisador, Sampaio desenvolveu, há quinze anos, um estudo sobre “saúde mental e trabalho bancário” – um trabalho consistente que continua atual. 
 
Nossa Voz – Qual a relação entre a saúde mental de um indivíduo e o trabalho?
Jackson Sampaio – A saúde mental tem a ver com a maneira como eu vivo em sociedade, com os desafios que são postos para mim e as minhas condições de realizá-los. Um dos elementos principais do processo societário tem a ver com a organização do trabalho, porque somos todos trabalhadores. Essa compreensão tem relação com as questões de saúde mental, que vão mudar a cada situação específica. A pressão pelo desempenho numa empresa pública, por exemplo, é enfrentada pelo trabalhador de uma maneira diferente como ela acontece numa empresa privada (por conta da estabilidade no emprego). E dentro de cada uma dessas empresas eu tenho no mínimo um grande corte entre aquele trabalhador que está na retaguarda, tomando decisões, gerenciando sistemas, e aquele que está na frente de batalha, enfrentando cliente, vendendo produtos financeiros, tenho que cobrar dívidas não pagas etc. Você vai ter empresas que sucateiam o trabalhador e empresas que investem no trabalhador. No Banco do Nordeste, por exemplo, há uns 15, 20 anos atrás, a história que se sabia era de que o Banco era uma grande empresa que mandava os trabalhadores fazerem doutorado no exterior. Então as condições relativas vão variando, as tecnologias, as organizações práticas de serviço no processo de trabalho vão variando...  E eu posso me sentir mais importante ou menos importante, mais valorizado ou menos valorizado nas minhas decisões... E tudo isso vai configurar uma espécie de sentido geral que eu dou para a minha vida. Eu vou ter uma maior plenitude ou um maior vazio existencial.

O senhor desenvolveu um trabalho específico sobre “saúde mental e trabalho bancário”. O que mais afeta a saúde mental dos trabalhadores bancários?
O que mais causa o adoeci-mento do trabalhador bancário é a lógica do trabalho, ou seja, qual o significado do trabalho. Tudo isso pode gerar o que eu chamei de “síndrome do trabalho vazio”, que foi como eu configurei o trabalho bancário. Não é vazio porque não tenha sentido, objetivo, tarefas, prêmios. Ele é vazio porque não tem um produto concreto e imediato; ele tem resultados de um conjunto de tarefas. O produto do trabalho do bancário é o produto de tudo o que é financiado ou apoiado pelo banco. Se eu mediei o financiamento a um projeto de carcinicultura, por exemplo, então o resultado do meu trabalho é a produção de camarão.

Esta parece ser uma das questões que preocupa muitos funcionários do BNB, que buscam reconhecer no seu processo de trabalho a contribuição para o desenvolvimento da região...
É porque o produto do trabalho deles não é visível dentro da empresa. Ele só é visível na análise da sociedade.

E a relação da pressão por metas e o assédio moral?
A gente não considera a pressão por metas assédio moral. Há assédio moral quando você inclui nas coisas uma certa dose de chantagem. Se você não fizer isso, eu não te dou tua promoção. Se você fizer greve, você perde sua comissão. Isso é assédio moral. Pressão por meta não. Você estabelece meta em nome da produção do banco, em nome do trabalho, em nome até do aumento de renda do trabalhador, que deve ganhar um bônus, além do salário. Então o próprio trabalhador se torna, de algum modo, sócio. Então não há assédio moral, mas é uma coisa que desgasta, que poderá ter seus preços mais tarde – inclusive preços mentais. Com a aceleração do processo de trabalho, eu vou começar a viver só aquilo. Eu não tenho mais vida em casa, eu não tenho mais lazer, tempo para ver um filme. Já o assédio moral ele desmoraliza. Ele destrói a confiança, o auto-respeito. O assédio moral tem muitas dimensões penosas e negativas, mais graves do que a agressão por produtividade.

Na sua pesquisa, quais as principais alterações observadas na saúde mental dos bancários?
A gente encontrou quadros de ansiedade, porque as pessoas estão sempre sendo cobradas, nunca dão conta, as metas são crescentes... É uma situação de permanente estímulo à ansiedade. E uma ansiedade que se somatiza, sobretudo com problemas de pele, taquicardias, problemas labirínticos... Uma outra coisa que a gente tem visto muito são os quadros hipocondríacos. Eu fico muito atento ao meu corpo porque eu não posso adoecer, eu não posso faltar, eu não posso deixar de atingir a meta de produção, eu não posso faltar a reunião do dia seguinte, então eu me entupo de remédio. Quando essa coisa do hipocondríaco e do ansioso não me ajudam a superar o problema, eu entro em quadros depressivos: sentimento de vazio existencial; falta de perspectiva de futuro. Você tem uma atitude negativa, uma atitude de infelicidade. Mas a pessoa está em luta e pode não desenvolver a doença depressão.

E o senhor aponta caminhos para a qualidade de vida, caminhos para a prevenção?
Normalmente, nesses casos, você tem alguma coisa que é possível prevenir, mas a maioria não é possível prevenir sem mudanças na atual estrutura da empresa. É preciso entender o trabalho como produtor de saúde em geral; entender o trabalho como produtor de uma pedagogia das relações sociais, de construção da cidadania. É preciso uma consciência crítica; vamos ter que criar sempre uma zona de tensão permanente e abrir brechas nas contradições entre trabalho e capital. É um desafio político, civilizatório. 

Última atualização: 30/11/-0001 às 00:00:00
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