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31/05/2008

Nossa Voz - Reforma tributária para quem?

ENCARTE - A REFORMA TRIBUTÁRIA E A QUESTÃO REGIONAL

A proposta de emenda constitucional – PEC 233/08 – apresentada ao Congresso Nacional no final de fevereiro, pelo governo Lula, introduz profundas e amplas modificações na estrutura de arrecadação do País. Dessa vez, no entanto, a Proposta incorpora dispositivos relativos à política regional, fato que nos surpreendeu, pois ambos os temas, Reforma Tributária e Política Regional são de fundamental importância para a sociedade, merecendo serem tratados separadamente. Na realidade, considerando que ainda não temos definida explicitamente uma política de intervenção planejada do Governo Federal nas regiões ou áreas mais deprimidas do país, fica difícil de imaginar que essa reforma vai significar uma mudança de postura do poder central quanto ao enfrentamento dos desequilíbrios regionais, especialmente, quando o tema é abordado dentro de uma concepção fiscalista. Na realidade, discussões sobre política regional, inclusive sobre os mecanismos de financiamento, deveriam ser centralizadas no Ministério da Integração Nacional, em articulação, logicamente, com os demais órgãos envolvidos.

De qualquer maneira, a proposta já está sendo analisada na Comissão Especial de Reforma Tributária, instalada na Câmara dos Deputados, sob a presidência do ex-ministro, Deputado Antônio Palocci. Como se trata de uma mudança relevante, merece o rigoroso acompanhamento de toda a sociedade, especialmente a nordestina, uma vez que importantes instrumentos da política de desenvolvimento do Nordeste, como o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste-FNE, gerido pelo BNB, o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste-FDNE, que compõe o funding da Sudene e os Fundos de Participação dos Estados e Municípios-FPE e FPM, deverão experimentar modificações nos percentuais de destinação, bem como na base sobre a qual essas percentagens incidem.

Mas antes de entrar na análise das repercussões dessa Proposta em termos regionais, é importante chamar a atenção para alguns aspectos relacionados com a questão tributária. O primeiro é relativo à dificuldades de se pensar um novo modelo fiscal num país com as dimensões continentais do Brasil, marcado por profundas desigualdades na distribuição da riqueza, em termos espaciais e pessoais. Para se ter uma idéia, enquanto o nosso índice de Gini, que é um indicador do grau de concentração da renda, se situa na faixa de 0,57, na França esse mesmo indicador equivale a 0,27%, ficando em 0,35 na Espanha, 0,37 na Índia e 0,46 no México. Numa linguagem simples, o Gini brasileiro traduz a existência de uma enorme massa de excluídos ou miseráveis, ao lado de um reduzido contingente de privilegiados, que detêm boa parte da riqueza nacional. O mesmo se observa no plano regional, quando sabemos que os diferenciais de renda entre as várias regiões do país têm permanecido estáveis ou, até mesmo, crescido. O Nordeste, por exemplo, participa, atualmente, com algo em torno de 13,0% na composição do produto interno bruto nacional.

São essas as principais razões que explicam porque as discussões sobre reforma tributária têm evitado o debate federativo e têm resultado, basicamente, em projetos reduzidos, focados quase que exclusivamente na ampliação do poder arrecadatório. Não é à toa que a carga tributária do país, ou seja, a soma de todos os impostos arrecadados, relativamente ao produto interno bruto,evoluiu de 25,4%, no Governo Itamar Franco, para 35,2% no último ano do primeiro governo Lula, significando um acréscimo de quase dez pontos percentuais do PIB. E o mais grave é que esse crescimento da arrecadação não tem a contrapartida no lado dos gastos em serviços essenciais para a população, como saúde, educação e segurança. Na realidade, boa parte do orçamento público federal está comprometida com o pagamento de juros e amortizações da dívida interna, cuja magnitude já supera R$ 1,3 trilhão (algo em torno de 41% do PIB) seguindo, apesar do esforço governamental, numa trajetória de crescimento em termos absolutos, sem a menor perspectiva de redução.
Mas o importante é observarmos como essa carga tributária se distribui pela sociedade. Como se constata no quadro abaixo, que mostra a distribuição da carga tributária por tipo de tributo, no Brasil, há um predomínio dos impostos indiretos, que incidem sobre bens e serviços, na composição geral das receitas tributárias, enquanto em países do primeiro mundo essa participação representa quase a metade da brasileira. Nos países ricos, as maiores fontes de arrecadação provêm dos impostos de renda e sobre a propriedade, justamente os que dão maior progressividade ao sistema.

 No Brasil, segundo estudo produzido pela FIPE, da Universidade de São Paulo, as famílias que recebem até 2 salários mínimos, comprometem quase a metade de sua renda (45,8%) com a tributação indireta, enquanto aquelas com rendimento superior a 30 salários mínimos abdicam de apenas 16,4%. Esse é um indicador eloqüente de que o modelo fiscal brasileiro é claramente regressivo, razão porque não temos dúvidas quanto à necessidade de mudanças, não pelo fato de considerarmos a carga tributária elevada, como se tenta passar para a sociedade, mas para torná-lo coerente com os princípios teóricos da tributação, como a eqüidade, simplicidade, neutralidade e progressividade, bem como adequado aos padrões internacionais.
 Portanto, são as características do modelo fiscal brasileiro, alheias aos princípios que orientam o sistema tributário, e não a carga tributária isoladamente, que desestimulam o investimento produtivo, premiando o capital especulativo e prejudicando mais fortemente as classes menos favorecidas da população. É um modelo que não está estruturado para resolver os problemas das desigualdades social e espacial e promoção do desenvolvimento, bem como para o fortalecimento do pacto federativo.

 É por essa razão que a PEC 233/2008 tenta introduzir alguns aperfeiçoamentos no sistema tributário, destacando-se: a) criação de um imposto sobre o valor adicionado federal-IVAF, com a eliminação das atuais contribuições como Contribuição para Financiamento da Seguridade Social-COFINS, Programa de Integração Social-PIS e Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico-CIDE-Combustíveis e incorporação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido-CSSLL ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica-IRPJ; b) uniformização da legislação do ICMS; c) adoção do princípio do destino na cobrança do novo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços-ICMS, deixando uma alíquota residual de 2% para ser cobrada no estado de origem; d) criação de um Fundo de Equalização de Receitas-FER, para compensar os Estados por eventuais perdas de receitas decorrentes dessa Reforma; e) extinção da contribuição para o salário-educação, a partir do segundo ano subseqüente ao da promulgação da Emenda; f) previsão de redução de 20% para 14% da contribuição dos empregadores para a previdência; g) adoção de alíquotas diferenciadas para produtos pertencentes à cesta básica; e h) implementação de mudanças legais e operacionais que permitam a desoneração completa dos investimentos e das exportações.

 A proposta também introduz mudanças importantes na atual estrutura de financiamento do desenvolvimento regional, como a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional-FNDR, a ser formado pela aplicação de uma alíquota de 4,8% incidente sobre a nova base de partilha, formada pelo IR, IPI, IVA-F e o Imposto sobre Grandes Fortunas, a ser regulamentado. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste deverão ser contempladas com 95% dos recursos desse Fundo, ficando a parte restante (5%) para aplicação em outras áreas menos desenvolvidas do País. Esse cálculo para definição do montante de recursos a serem alocados no FNDR será efetuado após a exclusão na nova base de partilha federativa dos valores pertencentes ao financiamento da seguridade (38,8%), BNDES (6,7%), Educação Básica (2,3%) e Infra-estrutura de Transportes (2,5%). Ou seja, teríamos uma redução de 50,3% nessa nova base de incidência do FNDR e dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM).

Uma Lei Complementar vai estabelecer as normas para aplicação e distribuição dos recursos do FNDR, observando-se que no mínimo 60% do total desses recursos sejam aplicados em programas de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto os 40% restantes seriam destinados para programas de desenvolvimento nas áreas menos desenvolvidas do País, bem como para fundos de desenvolvimento de Estados e do Distrito Federal, para aplicação em investimentos em infra-estrutura e incentivos ao setor produtivo.

Em linhas gerais, essas são as principais mudanças sugeridas na PEC 233/2008, as quais, certamente, têm gerado inúmeras discussões tanto de natureza técnica, quanto política, principalmente porque mexem na atual estrutura de distribuição dos recursos públicos entre os entes federados. Aliás, dentre as críticas que poderíamos destacar, uma delas se refere à elevada indefinição na redação do texto da PEC, uma vez que vários de seus dispositivos só serão regulamentados em Lei Complementar, podendo, inclusive, o próprio IVA-F ser instituído por meio de medida provisória. Além disso, tem a possibilidade de o Governo Federal conceder benefícios em cima de impostos estaduais e municipais, por conta de tratados internacionais. Outra crítica relevante se relaciona com a utilização do ano de 2006 como base de referência utilizada pelo governo para definição dos percentuais de destinação dos recursos, o que pode significar perda importante de recursos que hoje vêm sendo partilhados com os estados e municípios, uma vez que a arrecadação de 2007 foi surpreendentemente superior à de 2006. 

Mas um dos pontos cruciais dessa Proposta é justamente a criação do Novo ICMS, com a eliminação da Guerra Fiscal, representada pela atual estratégia de desenvolvimento utilizada pelos estados mais pobres do país para compensar a falta de uma política nacional de desenvolvimento regional. Em troca dessa perda de autonomia dos estado para legislarem sobre o ICMS, está sendo criado o FNDR, o qual, segundo a União, vai assegurar uma parcela importante de recursos tanto para financiamento do setor produtivo, como para aplicação em programas de desenvolvimento dos estados.

Para o Nordeste, esse é, ao nosso ver, um dos principais dispositivos, não apenas porque boa parte das políticas estaduais de desenvolvimento está baseada na concessão de incentivos fiscais, através do ICMS, mas também pelo fato de que a contrapartida federal para o fim da guerra fiscal é a criação de um fundo cuja magnitude, provavelmente, não vai significar aportes adicionais de recursos da União para a região, mas apenas substituição das já existentes. Além disso, essa Proposta do governo não assegura a preservação dos atuais mecanismos de incentivos fiscais concedidos às empresas já instaladas no Nordeste. De qualquer maneira, não nos parece aconselhável pensar o planejamento regional partindo-se do financiamento, fora de um escopo mais amplo, que contemple uma estratégia mais ampla de intervenção planejada nas regiões menos desenvolvidas do país.

Em termos de política regional, na realidade, essa Proposta termina por fragilizar alguns dos dispositivos constitucionais já existentes. É o caso, por exemplo de remeter para Lei Complementar a definição quanto ao agente financeiro responsável pela aplicação dos recursos desse novo Fundo. Atualmente, essa responsabilidade, no caso do Nordeste, cabe ao Banco do Nordeste, conforme disposto no Artigo 159, Inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal. Logicamente, essa modificação para uma Lei menor pode representar um duro golpe nas Instituições financeiras federais regionais, uma vez que as modificações necessárias para atender aos interesses de grupos específicos, especialmente daqueles ligados ao setor financeiro, serão mais fáceis de serem introduzidas. O interessante é que os recursos que irão compor o funding do BNDES estão definidos explicitamente no texto dessa emenda constitucional. O ideal, então, seria que os recursos dos fundos constitucionais, bem como os dos Fundos de Desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia, obedecessem a esses mesmos critérios adotados para o BNDES.

A Proposta estabelece que Lei Complementar vai definir os critérios para aplicação dos recursos do FNDR, observando que, no mínimo, 60% dos recursos sejam destinados para financiamento do setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sob a forma de crédito, pelos Fundos Constitucionais (FNE, FNO e FCO) e, somente no caso do Norte e Nordeste, sob a forma de debêntures, pelo Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA) e Fundo de Desenvolvimento do Nordeste-FDNE, respectivamente. Temos aí um outro problema, qual seja, a desconstitucionalização do percentual de transferência de recursos para composição dos fundos constitucionais, de 3% da arrecadação de IR e IPI, conforme estabelecido no Art.159, Inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal. Além disso, a Proposta não define explicitamente o percentual de destinação de recursos para composição tanto dos fundos constitucionais, quanto dos fundos de desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia, nem, ainda, a participação de cada uma das regiões no total dos recursos transferidos. A Lei 7.827, que regulamenta o Art. 159, Inciso I, alínea “c”, da Constituição, assegura ao Nordeste 60% dos recursos dos Fundos Constitucionais, ou seja 1,8% da arrecadação de IR e IPI. Por essa proposta, é provável que ocorra uma redução nas destinações regionais via fundos constitucionais de financiamento. Daí porque, julgamos interessante uma mobilização da Bancada nordestina no sentido de constitucionalizar referido dispositivo, garantindo, com isso, recursos para o financiamento do desenvolvimento regional. Pelo que está disposto na PEC 233/2008, podemos deduzir que o governo quer redirecionar parte dos recursos dos Fundos Constitucionais, para composição dos fundos que irão dar suporte às ações da SUDENE e SUDAM, respectivamente, FDNE e FDA, sem comprometimento de aportes adicionais de recursos do Tesouro Nacional.

Enfim, apesar de nossa convicção quanto à necessidade de melhorias no atual modelo fiscal brasileiro não podemos aceitar que o ônus dessas modificações recaia, mais uma vez, nas regiões mais pobres do Brasil. Certamente, as indefinições inseridas na Proposta do governo, ao lado da eliminação de importantes conquistas na área regional, introduzidas pela Constituição de 1988, devem motivar nossos representantes no Congresso, bem como os demais segmentos representativos da sociedade a lutarem por alterações nessa Proposta do Governo, de forma a consagrar um novo sistema tributário que contribua efetivamente para redução das desigualdades sociais e regionais, bem como estimule o crescimento econômico do País.

Adriano Sarquis Bezerra de Menezes
Doutor em Economia e membro do Conselho Técnico da AFBNB

Última atualização: 30/11/-0001 às 00:00:00
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