Com o objetivo de apro-fundar pontos importantes relacionados ao tema da 33a Reunião do Conselho de Representantes da AFBNB, o Nossa Voz entrevistou a economista e socióloga Tânia Bacelar, uma das palestrantes do painel principal.
Bacelar atuou trinta anos na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e hoje é consultora da CEPLAN. Suas reflexões sobre planejamento econômico e desenvolvimento regional têm contribuído para a formulação de alternativas para o Nordeste e o país.
Nossa Voz - Em sua opinião, qual a importância de discutirmos hoje a questão do modelo de financiamento regional adotado no país e o fortalecimento de organismos de desenvolvimento, como o BNB?
Tânia Bacelar - Eu vejo que há dois fatos no contexto brasileiro que vão fazer essa discussão ganhar importância. O primeiro diz respeito às tendências da dinâmica regional do país, que estão se alterando bastante nos últimos anos. Estamos passando de um ciclo de crise e adentrando num ciclo de retomada - e o padrão regional do novo ciclo é diferente do padrão anterior. Então eu acho que essas mudanças vão estimular um olhar sobre a dinâmica regional do país e, portanto, sobre o desenvolvimento regional e o modelo de financiamento do desenvolvimento. O segundo fato é a reforma tributária. Uma das formas de financiamento que utilizamos no ciclo passado foi a guerra fiscal entre os Estados e a reforma tributária diminui muito essa competição. Então eu acho que, também nesse contexto, a discussão sobre financiamento será retomada, assim como a questão dos fundos regionais, dos bancos de desenvolvimento. Esse debate já está na agenda do Congresso Nacional.
Nossa Voz - A reforma tributária pode, de alguma forma, prejudicar os fundos constitucionais, como o FNE? Há alguma preocupação relacionada a isto?
Tânia Bacelar - Sim, porque na proposta da reforma tributária se cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e há visões de que este deveria ser um fundo único. E como a reforma tributária vai mexer na Constituição, ela pode mexer no fundo constitucional. Eu já vi gente defendendo a unificação de todos os fundos; não é uma visão hegemônica, mas existe em Brasília. Nesse caso, o FNE desapareceria e se juntaria a esse Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. E desaparecendo o FNE, eu acho que o BNB se fragiliza muito.
Nossa Voz - E o Nordeste, sendo uma região deprimida, precisa realmente garantir um fundo próprio para financiar o desenvolvimento?
Tânia Bacelar - Essa é uma das mudanças da dinâmica regional: o Nordeste não é mais uma região deprimida; hoje acompanha a dinâmica nacional. Na minha leitura, é como se o Brasil redesco-brisse o Nordeste com outra visão. Não mais como região problema, um peso para o país, mas um Nordeste que tem potencial e que pode contribuir para o desenvolvimento nacional. Eu acho que o que precisa ser discutido é a nossa inserção, ou seja, qual a proposta de desenvolvimento para os próximos anos e, consequen-temente, quais são os instrumentos de financiamento adequados a essa proposta.
Nossa Voz - A AFBNB busca o fortalecimento do BNB através de várias propostas, como o aumento do capital social e ampliação da rede de agência. Como a senhora vê a importância de fortalecer os organismos de desenvolvimento?
Tânia Bacelar - Se de um lado o Nordeste está se dinamizando na sua economia, restou uma desvantagem muito grande como herança do século XX, porque o grosso do investimento em indústria, em infra-estrutura, ciência e tecnologia foi feito de Belo Horizonte para baixo. Então, apesar da dinâmica recente ser boa, a herança é desfavorável. Qualquer indicador que você use, percebe que tem dois padrões econômicos no Brasil: um padrão norte-nordeste e um padrão centro-oeste, sul e sudeste. O padrão norte-nordeste é mais frágil, com índices mais baixos do que os das outras regiões. Como isso é uma realidade, eu entendo que a região norte-nordeste tem que ter um tratamento adicional, então ainda comporta Sudam [Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia] e Sudene. Eu sou desfavorável à recriação da Sudeco [Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste], pois quando eu analiso meus estudos não vejo justificativa em dar um tratamento diferenciado para o centro-oeste, porque lá o problema é infra-estrutura, não subsistem as questões existentes no norte-nordeste. Então, eu defendo que as regiões Norte e Nordeste merecem um tratamento suplementar, por isso a importância da Sudam e da Sudene, do BASA e do BNB. Não precisamos levar esses instrumentos para o Sul e o Sudeste, mas aqui ainda precisaremos destes organismos por algum tempo.
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