Este ano, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) completará 97 anos, com um desafio: retornar às suas origens e pensar o desenvolvimento da região Nordeste dentro de ações de convivência com o semi-árido que extrapolem a questão hídrica.
Para falar sobre o assunto, o Nossa Voz conversou com o Diretor geral do DNOCS e ex-deputado estadual pelo PSB-CE, Eudoro Santana. Eudoro acredita que o Nordeste já avançou bastante, mas que para diminuir a miséria, a fome e a pobreza é preciso muito mais, sobretudo vontade política e investimento em educação e capacitação. Além disso, defende que a tecnologia já desenvolvida nas capitais, atualmente centralizada nas regiões metropolitanas, seja levada para o campo.
Nossa Voz – O DNOCS foi criado num período em que se acreditava que para resolver os problemas do Nordeste o caminho era combater a seca (a própria sigla da instituição diz isso). O que o DNOCS vem fazendo para mudar essa visão?
Eudoro Santana – Na verdade, a origem do DNOCS, embora tivesse esse nome de combate à seca, o espírito de Arrojado Lisboa, um dos fundadores, era de convivência com o semi-árido. Entretanto, a partir dos anos 60, quando se começou a construir as grandes barragens, essa visão hidráulica, em que a água acumulada resolveria o problema da seca, levou o Dnocs a ir por esse eixo, que tem sido combatido por uns e defendido por outros. No nosso entender, embora tenha sido importante essa infra-estrutura hídrica promovida pelo DNOCS, houve um desvio. Só mais recentemente – e a nossa administração tem esse marco – essa questão começa a ser revista. A idéia é voltar o Dnocs para suas origens, ou seja, trabalhar o problema da convivência com o semi-árido, a partir inclusive do aproveitamento dos açudes, das suas barragens. Por isso é que agora temos duas ações importantes: uma, é a montagem do Centro de Referência e Documentação do Semi-Árido, para que possamos disponibilizar material para estudiosos, professores, pesquisadores. Uma outra ação concreta é que estamos construindo com a população, em cada barragem do DNOCS, um comitê gestor – formado pela sociedade, irrigantes, pescadores, sindicatos rurais, Emater, prefeituras, ongs, etc. São duas ações que estamos fazendo no sentido de levar o DNOCS e a sua estrutura a mudar de rumo, ou seja, disponibilizar estudos e pesquisas sobre a região e trabalhar a gestão de seus recursos hídricos, que são parcos.
Quais os principais desafios atuais para a promoção do desenvolvimento da Região?
São muitos os desafios, entretanto eu creio que o Nordeste avançou muito em estudos, pesquisas, no conhecimento mais profundo de suas cadeias produtivas. Há 30, 40 anos atrás jamais se imaginava que aqui pudesse se plantar uva na região, e da melhor qualidade. Quem fez isso? O solo era o mesmo de 30, 40 anos atrás. A água era a mesma. Então, foi a tecnologia, o trabalho da Embrapa e de várias outras instituições, que fez com que a região pudesse produzir. Hoje há um conhecimento, eu diria até profundo, das cadeias produtivas, das condições climáticas da região. Já temos infra-estrutura de recursos hídricos, organização mais moderna da gestão. O que falta agora é educação, mudança de cultura e principalmente decisão política. Eu acho que ainda há, lamentavelmente no Nordeste, a visão dos coronéis. Ainda persiste a falta de decisão de conviver com essa realidade, de resolver o problema. É lamentável que um estado como o Ceará não tenha se voltado para o fundamental, que é levar toda a tecnologia já estudada para o interior, para criar condições de conviver com essa realidade, que não se resolverá somente com a água. A maior prova disso é que dos doze primeiros municípios do Ceará que foram para o Fome Zero, cinco tinham grandes barragens. Então o problema não é a água, é essa visão. Por isso eu acho que o que falta é essa consciência de que temos que trabalhar efetivamente para criar essas condições, partindo do processo da educação, da capacitação, pra que possamos conviver com essa nossa realidade e tirar dela os proveitos que estão aí.
O sonho de um Nordeste melhor é compartilhado por nordestinos e instituições como o BNB e o Dnocs. Como essas instituições podem contribuir para a concretização desse sonho? Há uma articulação entre elas?
Infelizmente, aí vem um problema cultural, que é sério. Falta encontrar caminhos juntos, porque cada um está trabalhando suas coisas individualmente. Acho que certamente o Brasil, daqui a alguns anos, vai começar a compreender que o grande trabalho que o Governo Lula tem feito é esse da transversalidade. Por exemplo, na área da pesca, tinha cerca de 20 instituições trabalhando isoladamente, então ele criou uma secretaria pra tentar articular essas ações. Não tem sentido a gente estar recuperando um perímetro de irrigação se o BNB não tiver lá dento pra financiar, se a Embrapa não tiver lá dentro pra ajudar na pesquisa, por exemplo. Então esse trabalho de articulação é fundamental para que nós possamos ter resultados maiores, com menos investimentos. O grande desafio nosso é esse trabalho articulado com as instituições. |