A economia brasileira em 2006: os bodes e a sala
Jurandyr O. Negrão - Economista
A anedota é muito conhecida: um governo impopular anuncia que, diante das dificuldades do país, cada família terá de acomodar um bode na sala da sua casa. Passado algum tempo de convívio intolerável com o animal, e sem que nada de fato tenha mudado na situação nacional, o governo magnanimamente anuncia que, graças às providenciais providências que tomou, as famílias já poderão tirar os bodes de suas salas...
É essa a promessa que se anuncia para 2006 na economia brasileira: a taxa de juros será diminuída e o crescimento florescerá. Um segundo elemento poderá ajudar nesse “florescimento”: uma moderada descompressão nos gastos públicos, drasticamente represados há anos, e algumas “bondades” no campo da redução de impostos.
Do ponto de vista da dinamização da atividade produtiva, trata-se de fatores efetivos de estímulo, e que provavelmente realmente virão a se materializar. Por isso, é bastante plausível que a economia venha a crescer a um ritmo menos anêmico do que se observa em 2005.
O bode dos juros altos e do arrocho das contas públicas estariam, portanto, de saída, deixando a sala enfim habitável. No entanto, a imagem correta seria outra: o corte de juros e a redução do superávit primário nas contas pública - ou seja, a economia de receitas para pagar juros da dívida-, significariam tirar alguns bodes da sala, mas restariam muitos outros.
Pra começar, ninguém espera que a taxa de juros básica praticada no Brasil vá se aproximar de níveis “civilizados”. O que se espera é que ela recue para algo como 10% acima da inflação, na melhor hipótese. Esse é um nível ainda altíssimo, muito superior ao vigente na imensa maioria dos demais países. Tampouco se espera que a moderada redução do superávit primário possa mais do que atenuar, de modo muito limitado e transitório, a enorme carência de recursos que penaliza os que dependem dos serviços públicos de educação e saúde, por exemplo.
O que se espera, portanto, é apenas uma etapa mais “benigna” na implementação da mesma linha de política econômica que vem preponderando desde o início do governo – e desde os governos anteriores.
Por ser ano eleitoral, a política econômica será objeto de debate entre os candidatos. Os torneios retóricos prometem ser movimentados, mas no fundo quase todas as candidaturas estarão comprometidas com a manutenção dos atuais bodes: o ajuste fiscal infinito – significando a continuidade do desmonte progressivo do Estado –, os juros altos, a liberalização financeira e comercial, a política social “compensatória”, a manutenção (na melhor hipótese) do ritmo de conta-gotas na reforma agrária e assim por diante.
Novas ofensivas liberais poderão entrar em debate, visando formatar a agenda do primeiro ano do futuro governo (momento sempre mais propício para propor medidas que exijam maior colaboração do Congresso): uma nova rodada de reforma da previdência, uma reforma para reduzir direitos trabalhistas e novas medidas para “engessar” o orçamento público ao pagamento de juros estariam no começo dessa fila.
Para barrar essa nova ofensiva liberal será imprescindível um forte aumento da mobilização dos movimentos sociais já a partir de 2006. Oxalá uma candidatura presidencial que consiga agregar as forças francamente críticas à estratégia liberal ajude a catalisar essa mobilização.
(extraído do site www.correiocidadania.com.br) |