A renovada vigência de Celso Furtado
Alberto Amadei Economista, especialista em política fiscal pela FGV-RJ
A lembrança de Celso Furtado vem à tona, nesses tempos trágicos que derramam sombras sobre o futuro da nação brasileira, como se precisássemos subir a montanha para ver o horizonte. Celso Furtado sempre insistira desde meados da década de 50, que o subdesenvolvimento consistia na assimetria entre o padrão de consumo cosmopolita de uns poucos privilegiados – que estão de fato integrados no mundo desenvolvido – e as debilidades estruturais do capitalismo periférico. A desigualdade que deforma nossas sociedades, dizia ele, também se reproduzia e se aprofundava, se teimássemos em copiar os estilos de vida predominantes nos países centrais, mesmo na situação mais favorável, que o mestre chamou de subdesenvolvimento industrializado. O argentino Raul Prebisch demonstrou na linha furtadiana, que a idéia da harmonia de interesses promovida pela concorrência capitalista era ainda mais falaciosa quando transposta para o plano internacional, o das nações, sob a forma da teoria das vantagens comparativas. O desenvolvimento desigual da economia mundial, concebido nos termos da relação centro-periferia, tendia, ao contrário, a se reproduzir e a se aprofundar, sob a égide do livre jogo das forças de mercado.
A partir da tradição do pensamento crítico latino-americano, que Celso encarna como ninguém, devemos a ele a compreensão de que, ao contrário dos que têm uma fé ingênua no progresso, o mundo está diante de uma extraordinária contra-revolução liberal-conservadora, que quer dizer regressão produtiva, mais exclusão social e a volta redobrada da dependência externa. Duas situações, razão do seu “afastamento dos centros de poder”, somente agora estão à vista de todos. A primeira: uma pequena parcela da população desfrutaria de padrões de vida próprios do centro, enquanto a imensa maioria seria permanentemente excluída. A segunda: ainda que numa situação internacional relativamente favorável, o capitalismo periférico seria incapaz de suprir as necessidades básicas do conjunto da população.
A reestruturação capitalista engloba o centro na periferia. Chama a atenção um certo alinhamento das posições cada vez mais uniformes dos países centrais quanto ao papel reservado à periferia. Exigem que a periferia se abra à concorrência externa e à aplicação dos seus capitais produtivos e especulativos.
A periferia está sendo reintroduzida passivamente no movimento produzido a partir dos países centrais, sob a forma do desemprego estrutural, da heterogeneidade social, da dualidade do mercado de trabalho, da decadência de regiões inteiras e da desintegração industrial. Uma grande ameaça paira sobre as possibilidades de sustentar uma política de desenvolvimento regional, sem uma profunda ruptura com o modelo conservador da subordinação e da dependência externa, especialmente quando ao continuísmo de uma política econômica sem controle da entrada e saída de capitais e associada a capitais de curto prazo. |