As ameaças ao FNE
Só aumentar os juros reais não é suficiente. Tem de garantir superávit primário. Foi assim que o governo brasileiro passou a adotar a meta de superávit primário para o setor público consolidado. Para atingir as metas, o governo corta as despesas – comprimindo o custeio e inclusive ficando dispensado de parte dos gastos obrigatórios, como no caso da desvinculação de receita (DRU) – e aumenta a carga tributária.
Enquanto isso, tramita no Senado Federal o projeto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, de recriação da SUDENE. Lá, na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), o senador Antônio Carlos Magalhães apresentou substitutivo em que, entre outras coisas: autoriza o BNB a criar, nos moldes do BNDESPAR, o BNBPAR, que utilizaria recursos do FNE; cria o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste – FDNE, que poderá ter como fonte aportes do FNE; as disponibilidades financeiras do FNDE ficariam depositadas na Conta Única do Tesouro Nacional; além disso, o BNB não é nomeado, como aprovado na Câmara, operador do FNDE.
Os dois temas, polêmicos, ameaçam o FNE. Para falar sobre eles, convidamos o economista Cláudio Ferreira Lima, aposentado do BNB e coordenador-geral de Planejamento do DNOCS.
Nossa Voz – Como o déficit nominal zero pode afetar os recursos do FNE? Cláudio Ferreira Lima – Não conhecemos ainda os desdobramentos da crise que atravessamos. De todo modo, na tentativa de superá-la, serão colocadas propostas na mesa. O deputado federal Delfim Neto (PP-SP) já se adiantou e apresentou uma delas: o déficit nominal zero. Nela, se prevê mexer na Desvinculação da Receita da União (DRU) - dos atuais 20 para 40%. Com isso, o governo teria à sua disposição mais receitas, que deveriam ser gasto social, livres para pagar os juros. Os fundos constitucionais, como o FNE, são uma vinculação orçamentária e poderão ser afetados, conforme os desdobramentos da conjuntura - embora na proposta de Delfim não se fale em tocar neles. E olhe que os governadores vão propor, para terminar com a “guerra fiscal”, o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) formado por 2% sobre a arrecadação do Imposto sobre a Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), justamente a mesma base dos fundos constitucionais. Mais uma ameaça.
Pela proposta de Delfim Netto, haveria o congelamento dos gastos sociais nos próximos seis anos. Que repercussão isso traria para a população de um modo geral? A conseqüência será a diminuição mais acentuada ainda dos recursos para previdência social, benefícios a servidores, saúde, educação, habitação e saneamento e daí por diante. Como se vê, uma redução brutal de qualidade de vida para banquetear apenas 4% da população brasileira.
Um dos objetivos de Delfim é reduzir a taxa de juros. Quais alternativas poderiam ser adotadas sem sacrificar a área social? Segundo Delfim, na medida que se caminha ao longo de seis anos em direção ao déficit nominal zero, haverá uma trajetória descendente da relação dívida/PIB, que fará os juros cederem. Causalidade questionada por alguns economistas. Para estes, são os aumentos ou reduções da taxa de juros que levam a aumentos ou reduções na razão dívida/PIB. Para outros economistas, o déficit nominal zero poderá ser conseguido já em 2008 com menor esforço, bastando para isso se manter o atual nível de 5% de superávit primário. Um mal menor. Só há o caminho da chamada “disciplina de mercado” para baixar os juros e retomar o crescimento? Claro que não. Este é o do “campo majoritário”, do pacto de poder no Brasil, isto é, de banqueiros, rentistas e, enfim, da minoria privilegiada. Outro caminho, que interessaria à maioria da população brasileira, não é ainda capaz de produzir vontade política. Ele estaria fora da “disciplina de mercado”, pois implicaria intervenção do Estado para, entre outras coisas, se controlar a fuga de capitais e a flutuação do câmbio.
Como o substitutivo apresentado pelo senador ACM para a recriação da Sudene pode afetar o FNE? É preciso chamar a atenção, primeiro, para a criação do BNBPAR, que utilizará recursos do FNE; depois, para o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste – FDNE, que poderá ter também como fonte aportes do FNE. Além do mais, o BNB não figura como depositário das disponibilidades financeiras do FNDE, que ficarão na Conta Única do Tesouro Nacional - nem é nomeado, como foi no projeto aprovado na Câmara, operador do FNDE.
O que é possível fazer para fortalecer o BNB e evitar que medidas como essas sejam aprovadas? Em qualquer hipótese, é crucial que o BNB se mantenha cada vez mais integrado com os outros organismos regionais, como DNOCS, CHESF e CODEVASF – proximamente, com a nova SUDENE -, bem assim com o INCRA, a EMBRAPA, entre outros, com os governos estaduais e municipais, universidades, movimentos sociais e representação dos empresários e trabalhadores. Precisa, enfim, atuar de forma integrada, em rede. O Banco pode multiplicar as aplicações, mas se não houver integração com o restante da cadeia, digamos, econômico-social, nenhum projeto dará bons frutos. Uma andorinha só não faz verão. Da mesma forma, um órgão só não faz desenvolvimento. Pois bem: é essa integração, no final de contas, que legitimará e fortalecerá institucionalmente o BNB, obstaculando a aprovação de medidas que tragam prejuízos a ele próprio e ao desenvolvimento regional. |