Davos e Porto Alegre: entre o conformismo e a utopia
* MARIA ODETE ALVES Pesquisadora do ETENE, atualmente ocupando com o cargo de Coordenação da área de Pesquisa e Desenvolvimento Rural
Na última semana do mês de janeiro passado ocorreram, simultaneamente, em localidades distintas do globo, dois eventos internacionais bastante anunciados na imprensa mundial: o Fórum Econômico Mundial (FEM) em Davos (Suíça) e o Fórum Social Mundial (FSM) em Porto alegre (Brasil). O primeiro, criado em 1970, trata-se de um encontro de cúpula que explicitamente se propõe a discutir os destinos do planeta a partir do modelo econômico vigente; o segundo, criado em 2001, ao contrário, existe como contraponto à hegemonia das políticas neoliberais.
Sobre Davos, o Professor da USP, Emir Sader, em artigo recente publicado no jornal “Correio da Cidadania”, argumenta que nasceu para ser o cenário da euforia do neoliberalismo que pretendia fazer do mundo inteiro um grande mercado, tendo como simples mercadorias destinadas à compra e venda e com preços determinados, as coisas, os bens, os direitos, as pessoas. Seguindo a mesma linha de raciocínio, acredito que o FEM existe para defender os interesses de uns poucos, os donos do grande capital, ignorando a grande parcela da população mundial em situação de pobreza, miséria e abandono.
Os freqüentadores de Porto Alegre, por sua vez, reivindicam um planeta sem terror, sem guerras, sem imperialismo, com justiça social, com integração entre os povos e respeito ao meio ambiente; desejam um mundo em que não haja exploração econômica de determinados povos sobre outros, seja permitido sonhar, ter esperança e no qual todos os homens e mulheres tenham direito a trabalho digno, a comida, a lazer, a amor, a dignidade.
Enquanto o FEM reúne a minoritária elite da população do planeta, o FSM agrupa uma massa de representantes dos cinco continentes (este ano, em torno de 150 mil), num exemplo cabal de que é possível reunir milhares de pessoas de todas as etnias e debater propostas por um mundo melhor, sem a utilização de meios como o poder ou o dinheiro.
A prática do discurso de que “outro mundo é possível”, tema do V Fórum Social Mundial, se concretiza na forma de organização das atividades do próprio evento: primeiro, porque aplica o conceito de redes e garante a autonomia dos grupos; segundo, por priorizar a aquisição de produtos e serviços oriundos de empreendimentos da economia solidária que atuam na produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário.
Importante ressaltar, ainda, a relevância que assume o FSM, desde sua primeira versão, como instrumento de politização e formação de jovens. Aliás, a realização do FSM serve também para desmontar a falsa idéia divulgada pela Grande Mídia, de que as pessoas se movem somente por interesses egoístas. A propósito do último Fórum, devo observar que apesar da ampla cobertura realizada pela mídia nacional, é pouco provável que os brasileiros que o acompanharam façam alguma idéia do que realmente foi debatido nos seis dias de atividades em Porto Alegre. Os milhares de debates travados entre representantes da sociedade civil organizada de todo o planeta sequer foram citados por esses meios de comunicação. Há de se reconhecer que, a essa mesma mídia, supostamente a serviço do grande capital, não interessa levar a público as polêmicas levantadas por um segmento significativo da sociedade, descontente com os rumos da economia e da política mundial; assim como não interessa mostrar que algo de diferente está acontecendo fora do escopo do capital especulativo. Isso seria uma forma de despertar a consciência em todos nós, de que “outro mundo é possível”. |